Austrália aumenta tensão com a China ao prorrogar vistos a residentes de Hong Kong

Pequim acusa Camberra de “interferir descaradamente nos assuntos internos da China”. Governo australiano pisco o olho aos homens de negócios de Hong Kong.

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Scott Morrison (dta), ao lado do ministro do Interior Alan Tudge, anunciou as novas medidas em relação em Hong Kong MICK TSIKAS/EPA

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrisson, anunciou esta quinta-feira que a Austrália vai suspender o seu acordo de extradição com Hong Kong e que vai prorrogar os vistos temporários de residência para os habitantes da região a viverem no país.

Na origem da decisão está a imposição da nova lei de segurança nacional por Pequim em Hong Kong, em vigor desde a semana passada, que prevê prisão perpétua para os condenados por crimes de “secessão”, “subversão”, “terrorismo” ou “conspiração com potência estrangeira hostil”.

 “Hoje, concordámos em anunciar que a lei de segurança nacional constitui uma mudança fundamental de circunstâncias em relação ao nosso acordo de extradição com Hong Kong”, justificou Scott Morrisson, citado pelo New York Times, numa declaração que fez aumentar a tensão diplomática entre Camberra e Pequim.

O primeiro-ministro australiano anunciou também a extensão dos vistos para os habitantes de Hong Kong, que passam a poder ficar no país mais cinco anos, abrindo a porta à obtenção da residência permanente no final desse período, numa medida que deverá abranger mais de 10 mil pessoas.

Com a entrada em vigor da nova legislação em Hong Kong, onde foi inaugurado, na quarta-feira, o novo gabinete de segurança dirigido por figuras da linha dura do Partido Comunista chinês, a Austrália emitiu ainda um alerta para os seus cidadãos que pretendam viajar para a região administrativa, avisando que “podem infringir a lei sem o saberem” e que, por isso, “estão em risco de detenção”. Em Hong Kong, vivem cerca de 100 mil australianos.

As movimentações de Camberra, numa altura em que o Canadá já suspendeu o programa de extradição com Hong Kong e a Nova Zelândia prepara-se para rever a sua relação com o território, foram mal recebidas em Pequim.

A embaixada da China em Camberra emitiu um comunicado a afirmar que Pequim “lamenta e condena fortemente as acusações infundadas e as medidas anunciadas pelo Governo australiano”, acusando a Austrália de “interferir descaradamente nos assuntos internos da China, fazendo comentários irresponsáveis sobre questões relacionadas com Hong Kong”.

No mesmo sentido, Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, acusou Camberra de tentar “interferir nos assuntos internos” de Pequim, garantindo que “nenhuma tentativa para pressionar a China será bem-sucedida”. “A China apela a que a Austrália que mude de rumo e que pare de interferir nos assuntos de Hong Kong e da China, de forma a evitar causar mais danos às relações entre a China e a Austrália”, rematou.  

Apelo à imigração 

Além de anunciar o fim do tratado de extradição e a prorrogação dos vistos, o Governo australiano piscou o olho aos investidores e homens de negócios de Hong Kong, convidando-os a mudarem-se para a Austrália.

 “Existem grandes negócios e talentos em Hong Kong, e nós sabemos que muitas pessoas estão agora a olhar para outras alternativas, porque querem viver num país mais livre, num país democrático” afirmou o ministro da Imigração, Alan Tudge. “A Austrália sempre foi um país muito acolhedor para pessoas de todo o mundo”, acrescentou o primeiro-ministro.

Este ano, a economia australiana, que depende bastante da imigração, entrou em recessão devido ao impacto da covid-19, a primeira vez que tal acontece nos últimos 30 anos. O Governo australiano espera por isso que “centenas ou alguns milhares” de habitantes de Hong Kong se mudem para o país.

Medidas como a prorrogação dos vistos ou os apelos à imigração surgem numa altura em que vários grupos de direitos humanos, como a Human Rights Watch, tem apelado ao Governo australiano para adoptar medidas que protejam os cidadãos de Hong Kong que possam sofrer perseguições políticas na região administrativa pela sua oposição a Pequim.

Além disso, China e Austrália têm trocado acusações sobre o tratamento dos seus cidadãos. Nos últimos meses, Pequim tem acusado Camberra de ser conivente com ataques racistas a asiáticos na Austrália, motivados por preconceitos em relação à covid-19. Por outro lado, a Austrália tem acusado a China de caça às bruxas em questões de espionagem, que levaram um à acusação do escritor sino-australiano Yang Hengjun.

Por isso, defende Chengxin Pan, professor de Relações Internacionais da Universidade de Deakin,  as recentes movimentações da Austrália são uma tentativa de o Governo australiano melhorar a sua imagem externa e, ao mesmo tempo, aumentar a pressão sobre Pequim.

“Podemos chamar-lhe um acto de sinalização de virtude diplomática por parte da Austrália, o que pode ajudar o país a reafirmar a sua imagem enquanto potência intermédia que defende os direitos humanos e os valores democráticos e liberais, apostando no seu conflito diplomático em curso com a China”, afirmou Chengxin Pan ao South China Morning Post.

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