Dia 81: Não resistimos a julgar uma pessoa mais gordinha

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

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Duas perguntas rápidas:

  1. Como é que se perde barriga? Estou a pensar em ir para a praia este ano de burca.
  2. Como é que não contagiamos as raparigas com estas obsessões com as dietas, sobretudo numa fase da vida em que a puberdade se instala, as hormonas transformam o corpo de dia para dia, e o comentário mais carinhoso de um adulto, como por exemplo, “Que bochechas tão queridas!”, pode precipitar uma crise de auto-estima? Ou pior.

Mãe,

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Bem, em relação à primeira pergunta pode pesquisar no Google e surgem-lhe, em menos de 30 segundos, mais de 40.600.000 resultados. O que, só por si, responde pelo menos a parte da sua segunda questão.

Não há dúvida nenhuma de que estamos todos absolutamente contaminados pela ideia de que existe um corpo ideal. E é difícil comunicar aos nossos filhos qualquer coisa que seja contrária a uma crença tão profunda. Podemos dizer o que quisermos, do género “Cada um é como é. Aceita o corpo que tens”, mas é uma voz pequena e falsa — e apanham-nos na hipocrisia ao virar da esquina. Além disso, é apenas uma voz no meio de milhões de outras, dos anúncios aos filmes, passando pelas conversas de toda a gente que os rodeia.

Se pensarmos bem é revoltante. Todas temos consciência de que estamos presas numa ilusão, mas apesar disso, não conseguimos parar de a desejar. Não resistimos a julgar uma pessoa mais gordinha, a reparar nas estrias, na celulite, no tamanho do peito...

É verdade que há um movimento crescente que advoga a aceitação do corpo, revoltando-se contra um modelo-padrão, mas pelo menos para quem está na armadilha, soa a um discurso forçado. Assinamos por baixo, mas damos por nós a pensar secretamente qualquer coisa como, “Pois, pois, acho muito bem... mas para os outros”.

Solução? A do costume, darmos o exemplo. Aceitando-nos mesmo como somos. E, se não o conseguimos plenamente, pelo menos podemos tentar controlar os comentários depreciativos que constantemente fazemos a nós mesmas — já agora, quantas vezes é que a mãe já disse, em frente das suas queridas netas, que este Verão vai para a praia de burca? Ah, pois! E, claro, convém também engolirmos as “bocas” aos corpos das outras pessoas. Achei muito curioso quando uma amiga minha alemã que viveu em Portugal me contava como tinha ficado absolutamente chocada pela quantidade de menções que aqui se fazem ao aspecto físico (corpo e roupa) — “Estás muito magrinha!” —, ou o contrário, como diz na sua carta, “Que bochechas tão queridas”, “Hoje estás tão bonita”, “Essa camisola é espantosa”. Nós nem damos por isso e é claro que tudo requer equilíbrio e bom senso, porque também não queremos cair naqueles extremismos puritanos em que é vaidade alguém perder cinco minutos em frente ao espelho.

Mas, à medida que as crianças crescem, julgo que só há um caminho: sermos honestas. Explicar que também temos as nossas inseguranças, contar como nos sentimos perante aquilo de que não gostamos em nós, mas simultaneamente partilhando o que a experiência nos ensinou, ou seja, que na maior parte dos casos não foi nem emagrecer, nem os dentes mais direitos, que nos fez sentir menos inseguras. E, já agora, se o soubermos, contar-lhes o que realmente nos ajudou.

Espere, mãe, tenho de acrescentar uma coisa: isto não vai lá sem uma boa relação com o exercício físico (a prática de exercício físico sobretudo nas raparigas adolescentes é baixíssimo em Portugal), e com a alimentação (a obesidade é uma preocupação real). Acredito que se fizer parte das rotinas e dos hábitos dos nossos filhos, desde sempre, é mais fácil evitar que se transformem em comportamento obsessivo. Pelo menos espero que sim.

Ah, e já agora, podemos partilhar com eles as fotografias de como éramos com a sua idade. Podem ver com os seus próprios olhos que sim, era verdade, também tínhamos bochechas, mas agora onde elas já vão! Contar-lhes como andávamos tão absolutamente convencidos de que tínhamos imensa barriga que nem nos atrevíamos a usar um biquíni — e agora, olhando para a evidência na imagem, percebemos que era tudo fruto da nossa imaginação. Pode ser que assim percebam os erros de percepção que a ansiedade provoca!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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