Comissão de avaliação do emprego científico recomenda revisão do modelo de financiamento

Relatório enfatiza que a consolidação do emprego científico requer que as instituições científicas e de ensino superior adoptem percursos profissionais (vulgo carreiras) para os cientistas.

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Pedro Cunha/Arquivo

A comissão de avaliação da execução do emprego científico reconhece que as universidades “têm resistido à contratação de investigadores para ingresso na carreira, recomendando a revisão do modelo de financiamento público das instituições para incentivar a contratação sem termo.

Este grupo de trabalho, liderado pela ex-reitora da Universidade de Aveiro Helena Nazaré, foi nomeado em Dezembro pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, tendo elaborado um relatório de diagnóstico com recomendações, que foi publicado na quarta-feira no portal da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), principal entidade, na dependência do Governo, que financia a investigação científica em Portugal, nomeadamente através de concursos para a contratação a termo de investigadores.

Os restantes três membros da comissão – os ex-reitores da Universidade Nova de Lisboa, António Rendas; da Universidade do Minho, António Cunha; e da Universidade do Porto, José Carlos Marques dos Santos – são coordenadores científicos da avaliação dos concursos de emprego científico da FCT.

Segundo a comissão de avaliação, que auscultou universidades, institutos politécnicos, laboratórios, sindicatos, bolseiros e empresas, “as instituições de ensino superior têm resistido à abertura de concursos para posições permanentes, a que possam ser opositores alguns dos actuais investigadores bolseiros ou contratados a termo, dada a imprevisibilidade do financiamento que recebem do Orçamento do Estado”.

Para que as instituições de ensino superior com centros de investigação possam assumir “com maior confiança os riscos financeiros associados à profissionalização da actividade científica, a comissão recomenda a revisão do seu modelo de financiamento, que garanta um financiamento base e plurianual de, no mínimo, 33% do orçamento (receita) anual” das instituições.

O relatório enfatiza que “a consolidação do emprego científico requer que as instituições científicas e de ensino superior profissionalizem a actividade de investigação e desenvolvimento, isto é, que adoptem percursos profissionais (vulgo carreiras) para os investigadores”.

A comissão de avaliação lembra que “o sucesso já alcançado na conversão de contratos de bolsa em contratos de trabalho ainda não está a ser acompanhado pela mitigação da situação de precariedade existente no sector da investigação científica”, uma vez que “a maioria dos contratos celebrados ao abrigo do Programa de Estímulo ao Emprego Científico é a termo certo ou incerto”.

No caso dos contratos a termo certo, a duração máxima do vínculo laboral é de seis anos.

O relatório recomenda, ainda, para agilizar a entrada de investigadores nos quadros das instituições científicas, “o reforço de iniciativas à formação de consórcios e agregação de unidades de investigação.

“A falta de escala de muitas unidades de investigação e desenvolvimento é um forte dissuasor para a profissionalização da actividade de investigação e desenvolvimento nessa unidade, pelo acréscimo de risco financeiro que a sua pequena dimensão acarreta”, justifica o documento.

A comissão de avaliação da execução do emprego científico reconhece, igualmente, que a integração de doutorados nas empresas “não tem sido bem-sucedida”, salvo “algumas excepções”, pelo que defende o lançamento de um programa que incentive essa integração, com os doutorados a passarem por um “período de aprendizagem” dividido entre empresas e instituições científicas antes de ingressarem nas empresas.

Para que a empregabilidade de doutorados possa ser alargada, o relatório advoga que as áreas científicas das engenharias, matemática, biociências, ciências da saúde, informação, computação e comportamento “devem ter prioridade porque são mais necessárias ao desenvolvimento social”.

Em Dezembro, em declarações à Lusa, o ministro Manuel Heitor assumiu, apesar de considerar que foi um sucesso” a contratação de mais de 5000 investigadores doutorados na legislatura anterior, haver “muitas resistências internas de “algumas instituições à contratação de investigadores e “falta de capacidade de emprego nalgumas áreas científicas.

Outros 5000 contratos

Para 2020-2023, o Governo traçou como meta a contratação de mais 5000 investigadores doutorados, incluindo a integração de 1500 na carreira (através de concursos regulares) e 500 por tempo indeterminado (a ser feita pelos laboratórios associados, que são instituições científicas com estatuto próprio).

A meta foi fixada no quadro do novo acordo de legislatura do Governo com as universidades e os institutos politécnicos públicos, assinado em 29 de Novembro.

A aplicação da legislação de estímulo ao emprego científico, que determina a contratação de investigadores doutorados até um prazo máximo de seis anos, com possibilidade de ingresso na carreira, foi marcada, na anterior legislatura, por queixas dos cientistas, que invocaram atrasos nos concursos e resistência das universidades em contratar. As instituições de ensino superior alegaram, por sua vez, falta de verbas para contratar investigadores, apesar de haver contratos-programa financiados pela FCT.

O anterior acordo entre o Governo e as universidades e os institutos politécnicos foi assinado em Julho de 2016 (e vigorava até 2020). As instituições acusaram, posteriormente, o executivo socialista de faltar aos compromissos, designadamente em termos de financiamento.

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