PS e PSD juntos no funeral da regionalização

Já tínhamos percebido que anda no ar um clima de enlevo entre o PSD e o Governo em matérias como a gestão da crise da covid-19 ou do orçamento suplementar. Com o golpe de rins do PSD na data da eleição indirecta das CCDR, fica-se com a ideia de um namoro.

O PSD empenhou-se ontem na imortalidade da máxima de Lampedusa (“É preciso mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma”). Contrariando as expectativas que o próprio partido tinha criado, abriu as portas à aprovação do decreto do Governo que prevê a eleição indirecta dos presidentes das comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Já tínhamos percebido que anda no ar um clima de enlevo entre o PSD e o Governo em matérias como a gestão da crise da covid-19 ou do orçamento suplementar. Com o golpe de rins do PSD na data da eleição indirecta das CCDR, exigindo para aprovar a intenção do Governo o simples adiamento de um mês, fica-se com a ideia de um namoro – porque uma coisa é manter a unidade política para garantir a difícil travessia da crise; outra é servir de muleta do Governo em decisões relacionadas com a organização e gestão territorial do país.

Seria entendível que o PSD estivesse de acordo com a primeira eleição indirecta de líderes das CCDR um ano antes das autárquicas, se o tivesse dito claramente desde o início. Pelo contrário, o partido de Rui Rio criticou com pertinência o facto de as eleições previstas para Setembro serem decididas por um colégio eleitoral prestes a entrar na sua recta final de mandato. E, agindo em consequência, pediu a apreciação parlamentar do diploma. Não para o chumbar, como pretendem os outros partidos, mas para o expurgar deste vício de forma. Afinal, nem uma coisa, nem outra. Em vez de Setembro, o PSD quer eleições em Outubro. Ou, por outras palavras, pôs-se a jeito para viabilizar as propostas do Governo – a menos que venha aí outra grande surpresa.

Se o problema desta decisão fosse apenas a cambalhota, daí não viria grande mal ao mundo. Mas não é. A proposta do Governo corresponde à morte assistida da regionalização consagrada constitucionalmente – porque a expurga da sua legitimidade democrática; porque mantém as comissões presas à órbita do governo, que terá até o poder de demitir o seu presidente. E porque transforma organismos de planeamento e gestão regional em extensões dos legítimos microinteresses das autarquias.

Viabilizando a proposta, o PSD, que juntamente com o PCP é o campeão da defesa das regiões administrativas, troca uma reforma crucial para a criação de um Estado moderno (nunca é de mais repeti-lo: somos o Estado mais centralizado da Europa) por um sucedâneo mal-amanhado. O PSD e o PS, que aprovaram uma comissão independente para estudar a questão que concluiu pela necessidade urgente da regionalização, juntam-se agora para a enterrar por muitos anos.  

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