Governo quer lojas a pagar renda só em Setembro, partidos dizem que é “empurrar dívidas com a barriga”

Rendas das lojas que tiveram que fechar poderão ser pagas durante 24 meses a partir de Janeiro. Oposição avisa que Governo está a adiar o problema e que a solução é dar apoios financeiros ao pagamento das rendas.

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Parlamento debateu moratória para rendas não habitacionais Daniel Rocha

Adiar o pagamento de rendas das lojas sem qualquer outro apoio para os inquilinos ou senhorios é “empurrar com a barriga” o problema: a crítica foi deixada nesta terça-feira à tarde pelos partidos da oposição durante o debate da proposta de lei do Governo que alarga o regime de mora para o arrendamento não habitacional e das propostas do PCP e do Bloco.

Tendo em conta os argumentos dos diversos partidos e a disponibilidade de todos para negociarem a melhor solução na especialidade, é de esperar que na sexta-feira, no momento da votação, os diplomas desçam à comissão sem serem votados.

Depois de ter feito sucessivas alterações ao regime do arrendamento habitacional e não habitacional em Março, Abril e Maio, o Governo propõe agora que os inquilinos cujas empresas de comércio, serviços e restauração estiveram de portas fechadas por imposição legal durante o estado de emergência possam adiar o pagamento das rendas desse período e também dos primeiros três meses de reabertura (até agora estava só previsto o primeiro mês). Essas rendas deverão ser pagas a partir de Janeiro do próximo ano, de forma faseada, durante um máximo de 24 meses (até agora tinham que começar a pagar estas rendas quando reiniciassem o pagamento normal).

É ainda criado um mecanismo negocial formal para que inquilinos e senhorios possam chegar a um melhor acordo sobre o pagamento que pode ir até a um “eventual perdão de renda”, descreveu o secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres. Que acrescentou que, se estas novas regras foram aprovadas, os lojistas começarão a pagar renda apenas em Setembro.

Pelo PCP, Bruno Dias argumentou que “não é a acumular dívidas em cima de dívidas que se resolve o problema – só se adia”. Por isso, os comunistas propõem que as rendas possam ter uma “redução efectiva proporcional à perda de rendimentos” do lojista ou empresa, e que o senhorio seja compensado por essa perda pelo Estado. Bruno Dias pediu “coragem política” para resolver o problema do comércio de rua que não ficou abrangido pelas novas regras aprovadas no Orçamento do Estado suplementar.

A bloquista Maria Manuel Rola lembrou as “muitas lojas entaipadas” na carismática Rua de Santa Catarina, no Porto, para dizer que o comércio foi o sector mais afectado pela crise pandémica. A deputada defendeu que se deve optar pelo regime de rendas variáveis para “partilhar encargos” entre inquilinos e senhorios, em vez de “empurrar o problema com a barriga” como faz a nova proposta do Governo para prolongar o período de mora.

O problema de atirar os inquilinos para um “ciclo vicioso de dívidas” foi também apontado por Inês Sousa Real, do PAN, que argumentou que a proposta do Executivo tem a “grave lacuna” de não prever apoios do IHRU ou empréstimos para os senhorios, como acontece no regime do arrendamento habitacional. O centrista João Gonçalves Pereira também vincou que “a solução não passa por crédito porque isso representa mais endividamento; passa por mais apoios” directos.

Apesar de dizer que é uma “ideia louvável”, o PSD classifica a proposta do Governo de “desproporcional e manifestamente má” porque só prevê apoio aos inquilinos, esquecendo os senhorios, que não têm qualquer ajuda do Estado. A social-democrata Márcia Passos criticou a imposição de um perdão de dívida alegando que tal viola o princípio de negociação entre as duas partes e a segurança jurídica e recusou que o Estado possa intrometer-se desta forma nos contratos e viole a iniciativa privada.

A encerrar o debate, o secretário de Estado João Torres admitiu que os apoios em matéria de arrendamento “não vão resolver os problemas da economia”, mas são uma ajuda e têm abrangido sobretudo os micro, pequenos e médios empresários. Defendeu ser “muito complexo encontrar uma solução simples” que abranja todas as realidades do comércio, serviços e restauração, lembrando que há contratos de arrendamento não habitacional (para o comércio de rua) e os de locação imobiliária dos centros comerciais.

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