Dos comuns da escola

O normal de uma escola é marcado pela conjugação de duas forças contraditórias. A da tradição — na defesa da ideia de que a mudança exige lentidão —, e a da inovação, que traduz o sentido de mudança permanente, acompanhando a evolução do conhecimento e da tecnologia.

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"Será a educação para a cidadania algo que, a partir de agora, exigirá mais tempo e espaço no currículo das escolas?" Paulo Pimenta

De facto, ninguém estava preparado para a pandemia e para os seus efeitos devastadores. Se os textos literários já diziam que com a peste tudo fica de pernas para o ar, como escreveu Camus, em meados do século XX, a rutura da normalidade ao nível da escola está a originar problemas que merecem uma análise bem ponderada.

O normal de uma escola é marcado pela conjugação de duas forças contraditórias. A da tradição — na defesa da ideia de que a mudança exige lentidão —, e a da inovação, que traduz o sentido de mudança permanente, acompanhando a evolução do conhecimento e da tecnologia.

Pode dizer-se que uma escola tem três comuns, construídos desde que o ensinar e o aprender se tornaram em ofícios académicos, inicialmente informais e agora mais formais do que informais, se bem que a força da educação ligada à experiência do quotidiano, na sua diversidade de fontes de informação e comunicação, seja cada vez mais pujante e significativa.

Há o comum organizacional, isto é, das regras explícitas e implícitas. Para além de um espaço de tomadas de decisões complexas, a escola é também um edifício de normativos e regulamentos, tão propícios a reformas educativas, em que tudo é pensado ao nível do ínfimo pormenor. Com a pandemia covid-19 este edifício ficou ainda mais complexo e tremendamente preocupante. As imagens de escolas preparadas para o distanciamento físico entre alunos, que circulam pelos media, fazem pensar que afinal Bentham, autor do Panótico, no século XVIII, poderia ter, absurdamente, alguma razão nestes dias tão diferentes.

Existe também o comum curricular, ou seja, do currículo prescrito e que se traduz na existência de planos curriculares, de programas e de outros documentos que definem os saberes essenciais. Aqui, a pandemia pouco altera o lado mais formal, pois a estrutura curricular, a que correspondem os imensos projetos de que uma escola é feita, não sofre alterações significativas. O núcleo curricular de uma escola tende a manter-se, verificando-se as principais alterações nas suas margens. Porém, há duas mudanças que são necessariamente aceleradas.

Uma diz respeito ao conteúdo do currículo ou aos saberes que dão corpo e alma ao dia a dia da escola. A escola não mudará na substância académica do conhecimento, mas a educação para a cidadania poderá ser um espaço de exploração de saberes que melhor respondam aos problemas com que crianças e jovens se confrontam hoje à escala global. Será a educação para a cidadania algo que, a partir de agora, exigirá mais tempo e espaço no currículo das escolas?

A outra mudança está no modo de organização do currículo. A ideia de uma escola sem disciplinas é peregrina, apesar de criar, de tempos a tempos, grandes entusiasmos. Uma escola sem professores também é impossível. Porém, modos de integração do currículo, com saberes explorados interdisciplinarmente, a partir de problemas reais de aprendizagem, é algo que começa a resultar de experiências que vão traçando algum caminho de futuro, mesmo que a sua origem remonte a inícios do século XX, com Dewey.

Há ainda o comum pedagógico, construído mais pela similaridade de práticas ao nível da sala de aula do que por regras ou projetos. Este comum nasce com Coménio, no século XVII, e perdura entre a obrigação administrativa e a autonomia pedagógica ao nível da docência. A mudança é efetivamente forte no modo de ensinar, em que o presencial é substituído por formas diversas de ensino à distância. O não presencial ocupa espaço, mas não é, de modo algum, a mudança que pode alterar o rosto pedagógico das escolas.

Se, em turmas de pós-graduação, o ensino à distância é já uma prática instituída, e com resultados muito bons, a experiência revela que a componente da sociabilidade dos alunos não pode ficar para trás, porque a escola é não apenas o espaço dos saberes formais, mas também o lugar de relações sociais, em que o convívio com os outros é determinante na formação individual.

O que mais se ouve nestes tempos de pandemia é o cansaço que reina pela ausência do ensino presencial. E de todos: pais, alunos e professores. Colocar na tecnologia a mudança de futuro, em que as práticas de interação sejam definidas à distância, é algo que não condiz com a natureza da própria escola.

O autor escreve segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.

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