Vogue Portugal retira capa contestada nas redes sociais

A primeira reacção às críticas foi defender o trabalho feito. Passado o fim-de-semana, a revista de luxo decidiu não publicar a capa e o artigo sobre saúde mental pois trata-se de um assunto sobre o qual “não podemos estar divididos”, escreve.

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Depois de um final de semana com inúmeras críticas, a Vogue Portugal decidiu retirar a capa que se tornou polémica, tendo sido notícia na imprensa internacional por alegadamente romantizar a ideia de saúde mental. A decisão foi dada a conhecer na manhã desta segunda-feira, numa publicação nas redes sociais da revista. O argumento é o de que “num assunto tão importante como a saúde mental, não podemos estar divididos”. Apesar disso, as reacções à decisão revelam que não há consenso pois muitos lamentam a decisão. 

A capa da polémica foi produzida num hospital psiquiátrico em Bratislava e no centro da imagem está uma jovem mulher, a modelo Simona Kirchnerova, dentro de uma banheira, ladeada por duas enfermeiras que lhe dão banho. Curiosamente, as mulheres são a mãe e a avó da profissional, revelou a própria numa publicação nas redes sociais. O trabalho é do fotógrafo de origem eslovena Branislav Simoncik.

Não só a capa da próxima edição, que vai para as bancas no próximo dia 10, desaparece, mas também o artigo sobre saúde mental que a sustentava vai ser retirado. “A Vogue Portugal tomou a decisão de retirar da próxima edição uma das quatro capas do número de Julho/Agosto, cuja imagem retrata uma cena num hospital psiquiátrico, bem como o restante editorial que estaria dentro da revista sobre o tópico da saúde mental”, diz a informação colocada no Instagram. No final da semana, em declarações ao PÚBLICO, os elementos da direcção da revista defendiam a decisão de incluir num tema geral como é a “loucura”, a questão da saúde mental. Para tal, relatava Sara Andrade, da redacção, tinham sido contactados psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde para escrever sobre o tema. Ao PÚBLICO, a directora Sofia Lucas declara que a decisão foi tomada em conjunto com a Condé Nast internacional: “Todas as decisões são tomadas e debatidas em conjunto.”

Então, a revista fez um comunicado para justificar a escolha da capa em que escrevia: “Trazer um assunto como este para a discussão nunca pode ser feito de maneira leve, porque o assunto em si não é leve. Sabíamos que esse seria um tópico que não geraria consenso, e estávamos cientes disso. Mas não é possível aumentar a consciencialização e esclarecer assuntos importantes sem dividir opiniões. Não há imagem ideal para ilustrar um tema como este — é por isso que não há apenas uma capa.” Ao todo são quatro capas que se debruçam sobre outras questões associadas à “loucura” (ver fotogaleria em cima). Agora, a posição é a de pedir desculpa: “A Vogue Portugal lamenta profundamente qualquer ofensa ou incómodo que este editorial possa ter causado. Após reflexão, compreendemos que o assunto da saúde mental requer uma abordagem mais ponderada. As nossas sinceras desculpas pelo sucedido.”

Sofia Lucas justifica que o objectivo era tratar o tema, chamar a atenção para o mesmo para que a saúde mental deixe de ser estigmatizada. “Queríamos criar awareness para o tema, não que se tornasse um debate sobre a Vogue, ou sobre moda, ou sobre questões estéticas, mas a discussão acabou por cair um pouco nestas questões”, lamenta. 

Censura e divisões

Tudo terá começado depois de a modelo Sara Sampaio ter comentado a capa da revista, considerando-a de “muito mau gosto”. Depois disso, Sampaio fez um vídeo de 15 minutos onde fala na primeira pessoa dos ataques de pânico que sofreu durante a carreira. Também a modelo Simona Kirchnerova, que inicialmente se mostrou feliz e orgulhosa com a capa da edição portuguesa da revista de luxo, não compreendendo as reacções de quem se sentiu ofendido pela mesma, voltou a publicar um post onde, desta vez, confessa que sofreu de depressão e fez terapia e que esta capa não devia dividir as pessoas. A jovem acrescenta ainda que as mensagens de ódio que está a receber não contribuem em nada para a sua saúde mental.

Kirchnerova continua a defender o trabalho que fez: “Depois de todas as críticas, ainda sinto que a arte deve ser impactante e verdadeira. Não queria ofender ninguém, lamento que as pessoas se tenham ofendido, mas compreendam que a intenção desta capa era falar sobre o tema da saúde mental e trazer à discussão as instituições, a ciência e as pessoas envolvidas nesta questão.”

Também o fotógrafo Branislav Simoncik afina pelo mesmo diapasão numa publicação no Instagram, onde começa por lembrar que nasceu num país sob um regime totalitário, onde a censura vigorava e os artistas iam parar à prisão ou morriam em nome do seu trabalho. Simoncik defende que “o poder da arte está na possibilidade de mudança” e que esta “não deve ofender, incentivar ao ódio ou discriminação, assim como não deve ser usada como instrumento de desumanização”. Posto isto, o seu trabalho tem como intuito chamar a atenção para práticas antigas e, para fazer esta capa, inspirou-se em documentos e imagens que testemunham o que se passava outrora nas instituições psiquiátricas. Trata-se de apontar os erros do passado e de práticas inumanas, justifica. Apesar de tudo, o profissional termina por pedir desculpa aos que se sentiram ofendidos com a imagem, “apesar de achar que é um mal-entendido”.

Nenhuma imagem seria consensual, dizia José Santana, director criativo da Vogue Portugal, na sexta-feira, ao PÚBLICO. “Como director criativo preocupa-me a liberdade artística ser atacada, porque parece que não se pode tocar em nenhum assunto”, lamenta. Na verdade, nenhuma imagem é consensual e a Vogue tem tido, ao longo do tempo, muitas capas que podem incomodar. O responsável lembra a da edição de Abril, a que chamaram Freedom on Hold, onde dois modelos se beijam com máscaras postas.

A directora da Vogue reforça que a publicação recebeu “inúmeras mensagens de pessoas a apoiar a capa — nomeadamente pessoas que já lidaram e lidam com questões de saúde mental — e que se sentiram identificadas com ela e com o que tinham passado”. No entanto, a decisão de reformular a revista foi feita face a todas as que se “sentiram ofendidas e magoadas”. “Não podíamos deixar de considerar isso, não podíamos aceitar que a capa tivesse esse tipo de repercussão”, conclui. 

Notícia actualizada dia 7/7/2020, às 10h20: acrescentadas declarações de Sofia Lucas.

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