Tempos de incerteza e complexidade

Vivemos um ambiente de segurança cada vez mais complexo que impede o “comportamento de avestruz” aos serviços de informações. Os tempos de incerteza são o desafio da nossa missão.

(A propósito do 35.º aniversário – 4 de julho – do Serviço de Informações de Segurança – SIS) 

1. Na atual conjuntura de pandemia global, o Serviço de Informações de Segurança (SIS) mantém todo o seu perímetro de ação com a adequada adaptação de meios para a produção de informações, pois parece evidente que deste surto do SARS-CoV-2 sobressai a ligação entre crise sanitária e a segurança nacional. As implicações do confinamento colocaram desafios relevantes a todas as organizações. Quer ao nível diplomático, quer estratégico e operacional, houve implicações diretas na segurança internacional e nacional, desde dificuldades na cadeia de abastecimento de produtos sanitários essenciais, a ações de desinformação, estratégias de pressão sobre organizações multilaterais e ações de influência com impacto direto na avaliação de segurança.

2. O SIS foi criado em 1985, há precisamente 35 anos, com a atribuição de produzir informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e atos que pela sua natureza possam alterar o Estado de Direito constitucional. O seu trabalho é um labor objetivo, isento de qualquer subjetivismo e desígnio político senão o da salvaguarda das instituições democráticas decorrentes da Constituição. Com os dados conhecidos naquele preciso momento, procura oferecer ao decisor político, cuja legitimidade decorre da Constituição, o conhecimento preventivo das ameaças à segurança interna e ajudar na diminuição da incerteza no processo da tomada de decisão. A atuação do SIS não é a da recolha da prova dos factos ocorridos mas a do esforço para evitá-los.

3. Sem esquecer as ameaças clássicas como a espionagem, crime organizado e proliferação de armas de destruição em massa, nos últimos anos concentrámo-nos no combate à ameaça do terrorismo internacional jihadista. A cooperação europeia entre serviços de informações internos está a impedir as organizações terroristas, nomeadamente do Estado Islâmico, de atuarem fora da sua zona de influência. No entanto, essa ameaça continua a ser persistente, incluindo para Portugal; está em mutação constante, ganha resiliência, adapta-se aos novos cenários. A atenção europeia centra-se, também agora, na radicalização interna, na atuação dos lone actors e no terrorismo homegrown. A cooperação nacional e internacional continua a ser o motor de mitigação destas ameaças e uma responsabilidade que o SIS assume com reconhecido mérito por parte dos seus parceiros.

4. Vivemos um ambiente de segurança cada vez mais complexo que impede o “comportamento de avestruz” aos serviços de informações. Joga-se cada vez mais no ciberespaço e a desinformação, através das redes sociais, manipula a opinião pública, conduz ao enfraquecimento das democracias, à descredibilização dos líderes políticos e à radicalização do exercício da cidadania. Surgem os movimentos inorgânicos, muitas vezes violentos, aumenta o discurso do ódio e crescem os extremismos políticos. A agressividade de serviços de informações estrangeiros contra interesses nacionais vitais e a espionagem económica ganham sofisticação. E, ainda, a economia digital, a transformação energética, a segurança económica e financeira, a intersecção entre ameaças, as alterações climáticas, a desertificação do interior, os fluxos migratórios, as pandemias e as epidemias juntam-se às “velhas” ameaças. Todas constituem um “caleidoscópio” e delas resulta uma Nova Agenda das Informações, que desafia quer os serviços, quer o decisor político e que a crise sanitária da covid-19 acentuou.

5. Tais missões só serão possíveis de cumprir pelos Serviços com instrumentos legais adequados à gravidade das ameaças e ao progresso tecnológico, em modernização constante, com a sensibilização da opinião pública, com planeamento a médio prazo suportado em orçamentos previsíveis que permitam recursos humanos capacitados e profissionais comprometidos com a Constituição e com o serviço público, capazes de um contributo democrático e válido à segurança interna e à defesa dos interesses nacionais. Os tempos de incerteza são o desafio da nossa missão.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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