Centeno no BdP - sinais de um Portugal pequenino

Será que não aproveitar uma oportunidade para premiar outros economistas qualificados é uma forma de promover o mérito e a excelência? Será que promover as mesmas pessoas no poder é um bom sinal para um país com graves casos de corrupção?

O governo de Portugal propôs Mário Centeno, ex-ministro das Finanças, para a posição de governador do Banco de Portugal (BdP).

Nada tenho contra Mário Centeno, nem questiono as suas capacidades, mas como cidadão, preocupa-me uma sociedade que baseia a sua governance em personalidades fortes, em vez de construir um sistema que produza bons resultados pela diversidade de contribuições e distribuição de poderes.

1. Conflitos de interesse

O Público noticiava a 17 de Junho que Mário Centeno escolhera a equipa que fiscaliza o trabalho do governador do Banco de Portugal. Este, entre vários outros casos semelhantes, vem ilustrar a óbvia existência de conflitos de interesse entre a posição de ministro das Finanças e de governador do BdP.

Sei que por vezes temos de lutar pelas nossas ambições e respeito a vontade de Mário Centeno em prosseguir a sua carreira na posição que prefere. Mas seria de esperar que, como profissional com uma reputação a defender, não se quisesse colocar numa posição em que possa haver alguma suspeita de conflito de interesses.

2. Não há mais ninguém?

Será que em 10 milhões de portugueses, não há mais candidatos qualificados para a posição de governador do BdP? Certamente que ter experiência no governo não é condição necessária ou não teríamos passado tanto anos sem isso. Propondo alguém que acabou de sair de um dos cargos com mais notoriedade em Portugal, fica a ideia de que somos um país sem mais economistas qualificados.

Cada um de nós, quando ocupa uma posição de poder, tem de estar ciente que a está ocupar em vez de outra pessoa. Tal como nas empresas, quando alguém fica demasiado tempo em posições de poder, isso sinaliza a todos os outros que os lugares de topo são de certa forma inacessíveis. Vem desincentivar a inovação, renovação de ideias e reduzir a motivação intrínseca pela excelência dos restantes profissionais. Neste caso, a proposta de Mário Centeno para governador do BdP sinaliza ao resto do país que para se chegar aos cargos mais altos, o mais importante é conhecer as pessoas certas.

Vários estudos apontam que uma sociedade próspera assenta numa distribuição de poder entre as várias partes da sociedade. A concentração de poder do ministro das Finanças para o BdP é por isso um sinal de fraqueza das nossas instituições democráticas: o poder não está distribuído, apenas roda entre os mesmos.

3. Promover o não cumprimento de mandato

Mário Centeno assumiu claramente nas últimas eleições legislativas que seria o próximo ministro das finanças em caso de vitória do Partido Socialista. Foi aliás um dos trunfos de campanha de António Costa.

Volvidos pouco mais de seis meses, abandona o Governo e não demonstra qualquer intenção de ocupar a posição de deputado para a qual foi eleito. Não o consideraria problemático caso tivesse aparecido alguma diferença irreconciliável com o resto do governo. Mas não é o caso e fica a ideia de que, sem considerar as promessas em campanha eleitoral, já estaria acordada esta saída para o BdP, acrescido de ser uma saída em plena crise económica.

4. Sinais para o resto do país

Fica a questão se são estes os sinais que queremos passar à nossa geração mais nova? Será que promover um ministro em campanha em Outubro para sair em Junho é a forma certa de restaurar a confiança dos portugueses na política e levar mais eleitores às urnas? Será que não aproveitar uma oportunidade para premiar outros economistas qualificados é uma forma de promover o mérito e a excelência? Será que promover as mesmas pessoas no poder é um bom sinal para um país com graves casos de corrupção?

No final de contas, este caso não é uma decisão crítica ou algo que vá irremediavelmente atrasar o país, é até provável que Mário Centeno possa vir a fazer um excelente trabalho na posição. Mas é um sinal sobre o Portugal que queremos construir, um país pequenino onde temos de rodar o suposto escasso talento pelas posições de topo, ou um país grande onde há muito talento qualificado. Mais do que o tamanho da nossa área geográfica, são estas decisões que definem se nos vemos como o Portugal pequenino ou um Portugal grande.

Sugerir correcção