Dia 77: no dia do parto são as mães que merecem os parabéns

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Parabéns, parabéns, querida e adorada filha

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Para dizer a verdade, sempre defendi que no dia de anos dos filhos, as mães é que deviam receber os parabéns. Os filhos podiam celebrar no dia do santo do seu nome, ou noutra data qualquer, porque no dia do parto são as mães que merecem todas as pancadinhas nas costas.

O teu foi um pesadelo, num tempo sem epidural e em que viraste a cabeça à última hora, talvez porque era meio-dia e sempre odiaste acordar cedo. Só nasceste pelas três da tarde, e aquelas últimas duas horas recordo-as como uma sessão de terror.

Finalmente vi-te cá fora, muito redondinha e perfeita, por arte do obstetra experiente que era o Dr. Berto do Carmo que te tirou de lá dentro sem um arranhão. A enfermeira exclamou que eras linda, e eu concordei por concordar, fingindo um interesse que naquele momento não sentia de tal forma estava atropelada pela experiência. Eras linda, de facto, constatei horas depois, já com olhos de ver, e não há instante desde aí em que não tenha dado graças pela bênção de te ter.

Os meus dois primeiros “partos naturais” foram tão traumáticos, que a partir do sétimo mês da gravidez da tua irmã, comecei a acordar todas as noites com pesadelos. Por exigência minha, e apesar da desconfiança do obstetra, o parto dela foi com epidural, num tempo em que era ainda coisa rara, e foi a diferença do dia para a noite. Sem sofrimento, vi-a nascer, senti-a deitada sobre mim, e não desatava a chorar como uma madalena sempre que me perguntavam como tinha corrido.

Espantosamente, no entanto, as diferentes experiências não mudaram, em nada, a minha relação precoce convosco, nem a vinculação, nem essas coisas todas de que os psicólogos gostam tanto de falar: os meus bebés eram os meus bebés, o parto era o parto, coisas distintas. Os primeiros para amar com todas as minhas forças, os outros para esquecer. Talvez tenha sido por isso que reagi com alguma incompreensão/incredulidade quando para ti era tão importante um parto natural. Afinal, na minha ignorância do que implicava uma cesariana, tinha passado a vida a sonhar com ela!


Querida Mãe,

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Muitos parabéns, e obrigada por me ter tido!

Se antes de ser mãe hesitaria em abdicar do spotlight no meu dia de anos, depois de três partos dou-lhe o palco por inteiro. Não há dúvida de que as mulheres são mesmo umas heroínas.

Sim, não podíamos ter histórias de partos mais diferentes. E uma reacção tão distinta ao parto natural, o que só prova que o que torna um parto traumático tem muito menos a ver com o sítio por onde o bebé sai de dentro de nós, do que com a forma como somos informadas, tratadas, respeitadas e acolhidas nesses momentos de tão grande vulnerabilidade.

Não tenho dúvidas nenhumas de que a relação entre mãe e bebés se faz muito para além das circunstâncias do parto (se assim não fosse, teria sido mau para os meus três filhos mais velhos!), mas é fácil compreender que, como todos os outros mamíferos, fomos feitos para dar à luz quando a ocitocina (a tal hormona do amor) aumenta e a adrenalina (a hormona do stress) diminui. E que essa ocitocina estará mais alta, facilitando o parto, se confiarmos mesmo na equipa médica, se estivermos num ambiente calmo, se conseguirmos deixar-nos ir. Ainda por cima porque é essa hormona mágica que também faz fluir melhor o processo da amamentação e a primeira vinculação ao bebé.

Para mim era mesmo, mesmo importante ter um parto vaginal, mas acima de tudo aquilo que procurava era encontrar um médico que escutasse os meus medos, e as minhas vontades, que aceitasse com humor (e amor) o facto de eu precisar de perceber tudo e de o questionar constantemente. Não para o contrariar mas exactamente para poder confiar. Precisava de um médico em quem confiasse tanto que se me dissesse que era necessária uma cesariana eu saberia que não era porque tinha alguma coisa mais importante para fazer naquele dia, ou porque era mais fácil, mas porque era o mais seguro. Precisava, como sei que tantas e tantas mulheres precisam, de um médico que acreditasse em mim e no meu corpo, na minha capacidade de conseguir trazer ao mundo um bebé. E encontrei-o. Obrigada por me fazer lembrar isso neste meu dia de anos!

P.S.: Desculpe ter virado a cabeça no momento errado!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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