Oposição a Putin não reconhece resultado do referendo que o eterniza no poder

Reforma constitucional foi aprovada com 78% dos votos, mas os críticos do Presidente russo falam numa “enorme mentira”. Grupo independente de monitorização eleitoral denuncia várias irregularidades na votação.

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Vladimir Putin, Presidente da Federação Russa SPUTNIK /Reuters
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Mesa de voto em Moscovo, com Putin em lugar de destaque SERGEI ILNITSKY / EPA
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Manifestação contra as reformas constitucionais em Moscovo,Manifestação contra as reformas constitucionais em Moscovo ANATOLY MALTSEV / EPA,ANATOLY MALTSEV / EPA

Quase 78% dos russos votou favoravelmente as reformas constitucionais que permitem ao Presidente manter-se no cargo até 2036, mas para a oposição de Vladimir Putin e grupos independentes que monitorizaram o referendo realizado ao longo da última semana na Rússia, a votação resultou de um processo fraudulento e, por conseguinte, de um “ataque à soberania da população”, ao qual não reconhecem legitimidade.

“Nunca iremos reconhecer este resultado. É falso e é uma grande mentira”, afirmou o conhecido opositor do chefe de Estado, Alexei Navalni, num vídeo difundido esta quinta-feira nas redes sociais,   

De acordo com os números oficiais da votação, publicados pela Comissão Central Eleitoral, o “sim” às alterações à Constituição recebeu 77,9% dos votos, contra 21,3%. A participação fixou-se nos 65%. 

Com este resultado, Putin deixa de estar impedido de se recandidatar à presidência da Rússia em 2024 por limitação de mandatos. A reforma coloca o contador dos mandatos a zero e permite-lhe, se assim o entender, candidatar-se mais duas vezes, mantendo o posto até aos 83 anos (tem 67) e superando Joseph Estaline como o líder russo mais longevo desde a era imperial.

Putin foi Presidente da Federação Russa entre 2000 e 2008, assumiu o cargo de primeiro-ministro até 2012, e regressou à presidência nesse ano.

Por causa da pandemia, o Kremlin decidiu que a consulta popular vinculativa duraria sete dias, e autorizou que a votação fosse feita online ou de forma presencial. Um método que, somado a regras eleitorais pouco transparentes, tornou impossível monitorizar convenientemente a eleição, segundo as organizações independentes.

“As regras desta votação foram tão mal escritas que permitem que se possa manipulá-la de formas distintas. Numa consulta prolongada por sete dias, online e com votos a partir de casa, é extremamente difícil para os observadores do processo verificarem se houve fraude”, refere Andréi Buzin, chefe de departamento do Golos, um grupo independente de monitorização eleitoral, citado pelo El País.

A isto acresce, segundo o Golos, uma série de elementos que inclinaram o terreno a favor de Putin, que estiveram na base das mais de 2000 denúncias que receberam sobre possíveis violações da lei eleitoral.

Segundo a BBC e a Reuters, a lista de irregularidades inclui a organização da votação à distância por meios ilegais, a nomeação dos monitores oficiais da eleição por uma agência do Governo, o impedimento dos opositores às reformas de fazerem campanha através dos media, a atribuição de subsídios extra às famílias com filhos para as motivar a votar ou o próprio anúncio dos primeiros resultados numa altura em que as urnas ainda não tinham fechado em algumas zonas do vasto território russo.

“[O referendo] foi um exercício de propaganda desde o início. Ficará na História com um ataque à soberania da população”, concluiu o Golos.

“Suavemente autoritário”​

Em sentido inverso, o jornalista irlandês da cadeia televisiva russa RT, Bryan MacDonald, escreveu um artigo de opinião a afastar todas as críticas e a destacar o apoio maioritário da população às propostas constitucionais, sem negar, no entanto, o elemento “autoritário” do enquadramento político russo.

“A Rússia não é uma ditadura e Putin não é um ditador. A organização [política] é ‘suavemente’ autoritária, mas depende da autorização da maioria para continuar”, defendeu MacDonald. “O povo russo não é estúpido, sabe que tipo de alternativas existem se perder a fé no ordenamento actual”.

Para além de abrir caminho para eternizar Putin no poder, a aprovação das reformas também consagrou constitucionalmente alguns direitos para os pensionistas, mas deu especial importância ao ultraconservadorismo e o nacionalismo russo promovidos nos últimos anos pelo Presidente

A Constituição passa agora a definir o casamento como uma união “entre um homem e uma mulher”, proclama a “fé em Deus” do povo russo, assume a Rússia como o Estado “sucessor” da União Soviética, defende a “verdade histórica” sobre a sua participação na Segunda Guerra Mundial e proíbe a cedência de qualquer parte do território russo a potências estrangeiras.

Algumas centenas de pessoas protestaram nos últimos dias, e particularmente na quarta-feira, contra as reformas constitucionais, em Moscovo e São Petersburgo. No seu vídeo, Navalni prometeu novas acções de rua, assim que os números de afectados pelo coronavírus diminuam – a Rússia regista mais de 9600 mortos e cerca de 660 mil infectados com covid-19.

“O que Putin mais receia é a rua”, afiançou o advogado e activista russo. “Não abandonará [o poder] até que comecemos a tomar as ruas às centenas de milhares, aos milhões de pessoas”.

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