Assassínio de cantor reacende violência inter-étnica na Etiópia

Haacaaluu Hundeessaa era uma referência para milhões de etíopes que se reviam nas suas letras em defesa da etnia oromo. Funeral realizou-se esta quinta-feira, sob fortes medidas de segurança.

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Haacaaluu Hundeessaa foi assassinado na segunda-feira REUTERS/Tiksa Negeri/File Photo NARCH/NARCH30
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Funeral do cantor realizou-se esta quinta-feira Reuters/HANDOUT
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Manifestações contra a morte do cantor já causaram pelo menos 80 mortos Reuters/TIKSA NEGERI

Pelo menos 80 pessoas morreram na sequência dos violentos protestos que irromperam na Etiópia depois do assassínio do músico Haacaaluu Hundeessaa na passada segunda-feira.

Em 2018, com as suas músicas, o cantor de 34 anos galvanizou os protestos que levaram à queda do antigo primeiro-ministro Hailemariam Desalegn, levando ao poder Abiy Ahmed, vencedor do Prémio Nobel da Paz no ano passado pelo acordo de paz estabelecido entre a Etiópia e a Eritreia.

Haacaaluu Hundeessaa, tal como primeiro-ministro etíope, pertence à etnia oromo, maioritária no país mas que esteve afastada do poder político e económico, até à chegada de Abiy Ahmed. Até então, o governo esteve nas mãos da minoria tigré. O cantor, cuja música Maalan Jira (Que existência é esta) se tornou um hino da juventude oromo, foi morto a tiro na segunda-feira na capital, Addis Abeba. As motivações dos atacantes são desconhecidas, mas suspeita-se que tenham sido motivadas por questões étnicas, o que está a levar a um aumento de tensão no país. 

“Esta semana, foi cometido um crime hediondo contra o artista Haacaaluu Hundeessaa. Quem o planeou, não está feliz com a mudança em curso no país”, afirmou o primeiro-ministro etíope, citado pela BBC. “Como povo, temos duas escolhas: cair na armadilha dos detractores ou desviarmo-nos dela e continuar o caminho das reformas”, acrescentou.

Com mais de 80 tribos diferentes, a Etiópia, que tem mais de 100 milhões de habitantes, tem sido palco de sangrentos conflitos entre as diversas tribos e etnias do país, o que já levou a milhares de mortos e a milhões de deslocados

Haacaaluu Hundeessaa tornou-se uma referência para a maioria do país, devido às suas canções em defesa dos oromo. A chegada de Abiy Ahmed ao poder, além de ter sido um passo decisivo para a paz com a vizinha Eritreia, prometia uma transição democrática no país e a defesa dos interesses dos oromo, mas, nos últimos meses, as expectativas começaram ser goradas, com críticas vindas de figuras importantes desta etnia. 

Violência 

Para conter os protestos contra a morte do cantor, o Governo cortou o acesso Internet na terça-feira, o que não foi suficiente para impedir que a violência voltasse às ruas da Etiópia. Centenas de pessoas começaram a andar armadas e sucederam-se os ataques entre etnias e os confrontos com a polícia.

“Reunimo-nos com a nossa comunidade e deram-nos indicações para andarmos armados com o que tivéssemos à mão, incluindo facas e paus”, afirmou à Reuters um habitante de Addis Abeba, que falou sob anonimato, temendo represálias. “Já não confiamos na polícia para nos proteger, por isso temos de estar preparados”, acrescentou.

Na quarta-feira, o exército foi enviado para Addis Abeba, depois de relatos de tiros e explosões, tendo ainda sido ateados fogos em vários pontos da capital. Na região de Oromia, a polícia utilizou gás lacrimogéneo para dispersar milhares de manifestantes.

As autoridades fizeram dezenas de detenções, incluindo o activista Jawar Mohammed, figura central nos protestos contra o anterior Governo, ao fundar a Oromia Media Netwok, uma emissora que, durante os protestos de 2016 a 2018, contrariou a narrativa da etnia tigré, até então no poder.

Tal como Abiy Ahmed, Jawar Mohammed pertence à minoria oromo. Foi aliado do actual primeiro-ministro mas, no último ano, começou a contestar o seu poder e tornaram-se rivais.

"Haacaalum não está morto" 

O funeral do cantor Haacaaluu Hundeessaa realizou-se esta quinta-feira na localidade de Amo, localizada a cerca de 100 quilómetros da capital, sob apertadas medidas de segurança. Pelo menos seis pessoas ficaram feridas em confrontos com a polícia.

“O Haacaaluu não está morto. Ele vai ficar no meu coração e no coração de milhões de oromos para sempre”, afirmou à Reuters Santu Demisew Diro, mulher do cantor, que pediu que lhe fosse erigida uma estátua em Addis Abeba.

Milhares de pessoas quiseram participar na cerimónia fúnebre, mas tal não foi possível, devido às apertadas medidas de segurança. Segundo a Reuters, a polícia disparou para o ar para afastar os fãs do cantor e dispersou centenas de pessoas que queriam participar no funeral.

“É muito triste que o corpo [de Haacaaluu Hundeessaa] apenas seja acompanhado por poucas pessoas e que as forças de segurança estejam a afastar tantas outras”, lamentou um familiar do cantor, à Reuters. “Ele era o nosso herói”, rematou um etíope que pretendia participar nas cerimónias fúnebres.

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