São mais 500 milhões para a Saúde. Mas serão 500 milhões?

Seria de esperar que se percebesse a importância do SNS, em contexto de epidemia e fora dele, e que o compromisso para reforçar meios fosse real e sério. Mas António Costa já nos habituou a fazer parecer aquilo que não é.

A pandemia causada pelo SARS-CoV-2 é um dos maiores desafios colocados à sociedade global no último século, e é certamente o maior teste de pressão que impende sobre o Serviço Nacional de Saúde. Esta ideia pode já ser muito batida, mas não é demais lembrar a exigência do tempo que vivemos e a exigência da resposta que o deve acompanhar.

O SNS está cronicamente suborçamentado. Esta é outra ideia que tem sido repetida até à exaustão, mas à qual os sucessivos governos continuam a fazer ouvidos de mercador. Com transferências do Orçamento do Estado inferiores à despesa ano após ano, o resultado só pode ser um acumular de fragilidades, que têm sido colmatadas pela competência técnica e pela capacidade de adaptação e de abnegação dos profissionais de saúde, que se reinventam para fazer muito com pouco. Mas, quando a exigência é extrema, as fragilidades são postas a nu. É assim que, após quatro meses de epidemia, a atividade programada e não covid continua em atraso e, em alguns casos, suspensa. E não há qualquer plano estruturado, quer a nível governamental quer a nível institucional, para a retomar.

Que não haja dúvidas: só o SNS tem respondido aos portugueses no contexto da pandemia. E foram os privados que vieram atestar isso mesmo, quando encerraram unidades, quando colocaram trabalhadores essenciais em layoff ou quando vieram exigir pagamentos ao Estado pelos cuidados prestados a doentes covid não referenciados.

O Orçamento Suplementar – leia-se retificativo – foi anunciado com um grande reforço para o SNS. São 504 milhões de euros. Mas serão 504 milhões de euros?

No Relatório do Orçamento Suplementar pode ver-se que se prevê transferir apenas 338,9 milhões de euros do Orçamento para o SNS. Portanto, o “dinheiro novo” que o SNS vai ver corresponde afinal a cerca de dois terços do que foi anunciado com tanto rasgo. E estamos para ver quanto deste montante já decapitado ficará cativado pelo “artífice das cativações”.

O Orçamento Suplementar prevê gastar mais 504,4 milhões de euros (despesa efetiva), mas a receita efetiva é de apenas 345,2 milhões. Fica assim um saldo negativo de 159,2 milhões de euros, a somar aos 6779 milhões de défice acumulados entre 2014 e 2019.

Há muito que se alerta para a falta de profissionais no SNS. Muitas equipas trabalham abaixo dos mínimos de segurança recomendados para o doente. Esta situação agrava-se com a especial exigência da covid-19. O Governo parecia finalmente ter percebido que é necessário contratar mais profissionais e atirou com a intenção de contratar 2995 profissionais este ano (não prevendo, curiosamente, a contratação de médicos), inscrita no Programa de Estabilização Económica e Social. Para isso, reservou no Orçamento Suplementar mais 200 mil euros para despesa com pessoal em 2020. Ora, admitindo que todos vão ganhar o mesmo, independentemente da categoria profissional – para simplificar as contas –, isto significa que cada um desses trabalhadores terá direito à módica quantia de 67 euros para todo o ano de 2020. A intenção de contratar mais profissionais parece não passar disso mesmo – uma intenção.

Quanto à rubrica “Aquisição de bens e serviços”, esta não está discriminada no Orçamento Suplementar no que diz respeito a fornecimentos e serviços externos. Algo que seria interessante conhecer, para perceber o que pensa o Governo pagar aos privados para realizar consultas, exames e cirurgias. Atividade essa que o SNS poderia e deveria fazer, assim fosse reforçado. Mas a ministra Marta Temido já se apressou em dar a melhor fatia, a mais lucrativa e com menos riscos, ao setor privado. Sim, é uma questão ideológica, em que o erário público sai a perder.

O SNS está no epicentro da epidemia. Com maior ou menor dificuldade, tem dado resposta a todos os portugueses, quer na prevenção e rastreio de contágios quer no tratamento. Apesar das insuficiências crónicas. Seria de esperar que se percebesse a importância do SNS, em contexto de epidemia e fora dele, e que o compromisso para reforçar meios fosse real e sério. Mas António Costa já nos habituou a fazer parecer aquilo que não é. É assim que o reforço para a Saúde não é um reforço.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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