Poluição no Douro regressa a valores anteriores ao estado de emergência

Confinamento forçado pela epidemia tinha contribuído para descontaminação das águas do estuário até níveis só vistos há 30 anos. Mas valores já voltaram a subir. Era previsível, aponta o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá. Mas podia ser diferente e é um alerta para os outros rios do país.

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Nelson Garrido
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As “boas notícias rapidamente se esfumaram” e, como o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá havia vaticinado, os valores de contaminação do estuário do rio Douro, que durante o estado de emergência baixaram a níveis só vistos há mais de 30 anos, já regressaram aos valores antes apresentados. As águas não são próprias para banhos, como chegou a acontecer em Abril, e a contaminação fecal voltou a ser um problema. Da previsível má notícia há, ainda assim, uma lição a tirar: “Com algum esforço, é possível, de uma forma dramática, melhorar a qualidade do estuário.”

Adriano Bordalo e Sá, que há 35 anos se dedica ao estudo científico do Douro, faz com a sua equipa do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) recolhas semanais na margem direita do rio em quatro locais: a ribeira da Granja, o rio Tinto, a ribeira de Gramido e um ponto entre as pontes do Infante e de D. Maria Pia. Quando no início de Março o país se fechou em casa, o professor universitário viu uma “melhoria forçada” da qualidade da água. Mas essa curva descendente rapidamente mudou de sentido: “Com o fim do estado de emergência e a primeira fase do desconfinamento, os valores começaram a subir ligeiramente, o que aconteceu até à segunda fase; e a partir da terceira fase os valores dispararam, correspondendo ao aumento do fluxo de pessoas nos espaços urbanos.”

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A diminuição da mobilidade nos municípios urbanos que drenam para o estuário – Porto, Gondomar e Vila Nova de Gaia – havia provocado uma descida significativa na quantidade de esgoto produzido. Os números ajudam a explicar: em média, cada pessoa que vive nestas cidades consome 100 litros de água por dia – e 80 transformam-se em esgoto. Sem as pessoas que se deslocam para essas urbes para trabalhar, estudar ou como turista, as cidades passaram a produzir muito menos esgoto. E isso contribuiu para a melhoria da água do rio. “Quer se queira quer não se queira, continua a haver uma parte do esgoto urbano dos municípios drenante para o estuário”, afirma Adriano Bordalo e Sá, que está também a fazer o despiste no RNA vírico do SARS-CoV-2 nas águas residuais urbanas e periurbanas dos três municípios, um estudo que poderá dar pistas sobre a chegada de uma segunda vaga.

A mudança no Douro só é possível com um “esforço colectivo intermunicipal para retirar definitivamente das linhas de água o esgoto que ainda chega a essas linhas, canalizando-o para as ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais]”, aponta o hidrobiólogo. Isto, acrescenta, “partindo do princípio que as ETAR funcionam e estas oito ETAR têm toda a capacidade para cumprir a sua tarefa”. Há “exemplos positivos” de cooperação, como a parceria entre os municípios de Gondomar e do Porto no processo de despoluição do rio Tinto, “um esforço que tem de ter continuidade, porque o rio Tinto melhorou, mas está ainda longe de estar despoluído.”

Máscaras e luvas nas ETAR

Adriano Bordalo e Sá continua a insistir na urgência de criar “fortes campanha de informação e formação para o público”. E recorda um episódio passado nos anos 90 para mostrar a importância de identificar os problemas. Num dos municípios do estuário, que prefere não identificar, foram colocados sensores numa das ribeiras para controlar os níveis de poluição e verificou-se que, todas as noites, pela mesma hora, havia um pico de poluição. A autarquia acabaria por descobrir que eram os seus próprios serviços de limpeza urbana que lavavam os camiões com água da ribeira e depois descarregavam na mesma. Por desconhecimento. “Depois de identificado o problema rapidamente foi solucionado.”

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Neste momento, nas oito ETAR que drenam para o estuário do Douro, lida-se com uma “carga adicional inadmissível”. Além de fraldas, pensos higiénicos, preservativos, cotonetes e pedaços de roupa, que se foram tornando comuns nestes locais, estão a chegar quantidades significativas de “máscaras, luvas e toalhetes desinfectantes”. As sanitas parecem continuar a ser encaradas como um caixote do lixo por muitos portugueses – e esse é exemplo de um comportamento que tem de mudar.

Há outros. Não usar trituradores de resíduos nos lava loiça, não deitar esse lixo na sanita, não despejar óleos e gorduras e, “acima de tudo, puxar o autoclismo”. Soa estranho? Adriano Bordalo e Sá explica: “Nas partes urbanas mais pobres, o esgoto é mais concentrado porque as pessoas puxam menos o autoclismo. Nota-se essa diferença no Porto entre o lado ocidental e oriental da cidade. Puxar o autoclismo torna o esgoto menos concentrado e facilita o seu tratamento nas ETAR.”

Se os níveis de contaminação fecal forem mais baixos, acrescenta Adriano Bordalo e Sá, também haverá nas águas menos antibióticos, ansiolíticos e produtos de limpeza, algo que os esgotos levam para o rio. E neste particular vale a pena lembrar que em produtos de limpeza doméstica que anunciam matar 99,9% das bactérias essa “matança” é feita à base de “produtos químicos tóxicos” – e estes também chegam, naturalmente, ao Douro. 

Nas cerca de 50 linhas de água drenantes para o estuário há ainda esgoto que, “embora percentualmente seja em quantidades muito pequenas, tem elevado impacto”. Enquanto essas linhas estiverem contaminadas, lamenta Adriano Bordalo e Sá, a realidade da maior bacia hidrográfica da Península Ibérica não será estruturalmente diferente.

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