Desesperadamente procurando bodes expiatórios

Qual foi o alvo relativamente ao qual Fernando Medina foi agreste de maneira nunca antes vista? Foi o Governo, dirigido pelo seu pai político, António Costa.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES
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Nunca, mas nunca, se tinha visto Fernando Medina tão severo, tão rude, tão ríspido, tão áspero. Foi na TVI24, na segunda-feira à noite, e é uma peça política de inegável importância. Qual foi o alvo relativamente ao qual Fernando Medina foi agreste de maneira nunca antes vista? Foi o Governo, dirigido pelo seu pai político, António Costa, que o escolheu para sucessor na CML.

Ao pedir a cabeça das “autoridades da saúde” por causa dos números de Lisboa, Medina está a pôr em causa o seu Governo. Ele sabe-o, é inteligente, mas talvez não tão inteligente como o homem de quem herdou a câmara: António Costa, esse, sim, o cúmulo da sagacidade política, se houvesse cúmulo para isso. Ele que, antes desta intervenção de Medina a pedir demissões na saúde, se irritou na reunião do Infarmed da semana passada, pondo em causa a ministra Marta Temido, que, de resto, não desmentiu a cena.

Está António Costa, com o apoio de Fernando Medina, a querer arranjar bodes expiatórios para o caso dos números de Lisboa – um desastre para aquele que outrora foi um país-modelo no combate à covid? A oposição colaborante de Rui Rio já identificou o problema: é Graça Freitas. Para Rio, não é Marta, é Graça. Parece que se tem agora que arranjar um bode expiatório. Se não é dos testes a mais, se não é da construção civil, se não é dos transportes cheios, é da Marta (ou da Graça).

As mulheres que aguentaram os piores dias da pandemia que continuem a aguentar (ainda por cima, já se sabe, são genericamente chatas e não percebem um avo de cerimónias comemorativas da conquista da final da Champions, que obviamente não se inclui naquilo que Fernando Medina tão bem criticou sobre sinais errados do desconfinamento). Ah, Marta estava lá – a culpa é dela. Medina também, mas isso não interessa.

Fernando Medina não é um comentador político qualquer. É presidente da Câmara de Lisboa, presidente da Área Metropolitana de Lisboa, co-responsável pelo que se passa no terreno, incluindo os maus números. Tem poder, a menos que o devolva nos momentos mais infelizes, o que parece ser o caso.

Não é bonito de se ver. Quando a oposição foi tão saudada pela sua prestação durante a crise epidémica – e, apesar de algum “desconfinamento”, não tem posto o Governo em causa – que seja o PS e alguns dos seus principais dirigentes a dar estes tristes espectáculos, mete algum dó.

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