Longe da aldeia global, a verdadeira Berlim respira na periferia

Renato Silva viajou até "ao fim da linha", numa incursão pela Berlim que está longe dos holofotes e dos folhetos turísticos. A série do fotógrafo português revela a “face alternativa” da cidade, onde ainda se descobre "a raiz da cultura berlinense".

©Renato Silva
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Durante quatro anos, Renato Silva viajou no metro e ferrovia de Berlim com uma câmara Hasselblad de médio formato ao peito; e, invariavelmente, escolheu sair na última estação de cada trajecto, na periferia da cidade. Aquilo que encontrou “no fim da linha”, como optou por baptizar a série fotográfica, foi um cenário muito diferente daquele que pode ser, hoje, observado no centro da capital alemã – um íman que atrai 13,5 milhões de turistas anualmente. Esses encontram um melting pot típico do mundo globalizado, onde sobram apenas vestígios da "verdadeira cultura berlinense". Essa, na opinião do fotógrafo português, ainda tem expressão nas bordas da cidade, onde realizou as fotografias que compõem este projecto.

A aventura começou no Inverno de 2012. “Sempre tive o desejo de fotografar Berlim”, confessa, em entrevista telefónica ao P3. Mas não queria captar a mesma cidade que toda a gente já conhece e visitou. “Preferi descobrir Berlim de fora para dentro, a partir da periferia.” O objectivo era registar, de forma orgânica, livre e pessoal, uma “face alternativa” da cidade onde vive, perscrutar a raiz da cultura berlinense nos hábitos daqueles que nela vivem, desde há muito, longe do frenesim turístico e da máquina da gentrificação. “Há muitos berlinenses que não conhecem os arredores da cidade e este projecto também foi feito para eles”, explica. “Ninguém apanha o metro e faz um percurso de 40 minutos para tomar um café num lugar que já não parece Berlim. Para mim, também foi algo novo”, admite. "E fico feliz por o ter feito."

A ruralidade é um aspecto transversal a todas as zonas que fotografou no final das linhas metropolitanas e ferroviárias das redes U e S-Bahn. A quietude também. “Vi zonas pobres, envelhecidas, degradadas. Mas também áreas mais ricas, ajardinadas, com lagos. Há um pouco de tudo.”  Algo que chamou a atenção de Renato foram as casas de madeira, onde é patente “um patriotismo” inesperado. “Um pouco como nos Estados Unidos da América, nos arredores de Berlim há casas que têm um mastro instalado propositadamente para hastear a bandeira alemã, que fica todo o ano em exposição, ao vento.” Esse patriotismo está patente de várias formas, observa o fotógrafo. “Enquanto português, tenho a pele e o cabelo mais escuros. E notei, enquanto trabalhava, um maior preconceito relativamente à minha imagem. Creio que se fosse alemão, loiro, talvez tivesse obtido reacções diferentes quando pedia a alguém um retrato. Acho que as pessoas não confiavam em mim.”

O seu cartão-de-visita foi útil, mas nem sempre eficaz, na resolução dessa desconfiança. Um dos retratos de que mais gosta, o do casal sentado à entrada de uma garagem, foi fruto de uma pequena batalha ganha contra o medo do desconhecido. “Ela não queria tirar o retrato, foi o marido quem a convenceu. E ainda bem que o fez, caso contrário hoje não teria uma das melhores imagens do projecto, na minha opinião.” 

Calma, triste, bucólica, autêntica, original, distante são alguns dos adjectivos que Renato Silva prefere associar à Berlim periférica. “Ao contrário do que experienciamos no Sul da Europa, o sentido de comunidade na Alemanha – mesmo na Berlim rural, dos arrabaldes – é muito ténue”, descreve o fotógrafo de 39 anos. “Há pouco contacto pessoal, a distância é maior. Os vizinhos cumprimentam-se, e até se entreajudam em situações pontuais, pautadas por alguma formalidade. Mas não há convites para um churrasco. Não há calor.” Nem no centro nem na periferia.

Fotografar com uma câmara analógica exige tempo, ponderação, implica esperar pelo momento certo, pelo motivo certo para disparar. “E eu queria criar um documento visual, documental, em que as imagens pudessem quase falar por si.” Entre 2012 e 2016, Renato fotografou, mas só recentemente “tirou o projecto da gaveta”. “Durante muito tempo, tive de digitalizar de negativos e editar o projecto, algo que me tomou muito tempo.” O fotógrafo, natural de Aveiro, crê que este é o momento certo para o dar a conhecer a uma grande audiência, embora já tenha realizado uma exposição individual do projecto, em Berlim, participado em algumas exposições colectivas e publicado, recentemente, algumas imagens na francesa FishEye Magazine.

Gostas de fotografar e tens uma série que merece ser vista? Não consegues parar de desenhar, mas ninguém te liga nenhuma? Andas sempre com a câmara de filmar para produzir filmes que não saem da gaveta? Sim, tu também podes publicar no P3. Sabe aqui o que tens de fazer.

Linha U7, estação Rudow
Linha U7, estação Rudow ©Renato Silva
Linha U7, estação Rudow
Linha U7, estação Rudow ©Renato Silva
Linha S25, estação Henningdorf
Linha S25, estação Henningdorf ©Renato Silva
Linha S25, estação Henningdorf
Linha S25, estação Henningdorf ©Renato Silva
Linha S27, estação Postdam
Linha S27, estação Postdam ©Renato Silva
Linha U2, estação Ruhleben
Linha U2, estação Ruhleben ©Renato Silva
Linha S3, estação Erkner
Linha S3, estação Erkner ©Renato Silva
Linha S5, estação Strausberg Stadt
Linha S5, estação Strausberg Stadt ©Renato Silva
Linha S5, estação Strausberg Stadt
Linha S5, estação Strausberg Stadt ©Renato Silva
Linha S5, estação Strausberg Stadt
Linha S5, estação Strausberg Stadt ©Renato Silva
Linha S46, estação Koenigs Wusterhausen
Linha S46, estação Koenigs Wusterhausen ©Renato Silva
Linha S5, estação Strausberg Stadt
Linha S5, estação Strausberg Stadt ©Renato Silva
Linha U5, estação Hoonow
Linha U5, estação Hoonow ©Renato Silva
Linha S5, estação Strausberg Stadt
Linha S5, estação Strausberg Stadt ©Renato Silva
Linha U2, estação Ruhleben
Linha U2, estação Ruhleben ©Renato Silva
Linha U3, estação Krumme Lanke
Linha U3, estação Krumme Lanke ©Renato Silva
Linha S25, estação Teltow Stadt
Linha S25, estação Teltow Stadt ©Renato Silva