A minha filha

Olho para ela e fico a pensar no milagre que é ter feito uma pessoa assim. Tão acima das minhas possibilidades, tão mais radiosa e radiante do que alguma vez sou ou serei.

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Caleb Woods/Unsplash

Esta semana escrevo-vos por encomenda da minha filha. “Escreve sobre mim, sobre a minha vida.” Muito bem, pensei. É mais do que justo. 

A minha filha tem oito anos. Não é por ser minha filha, mas é mesmo bonita. A menina mais bela do mundo (e não aceito comentários sobre beleza subjectiva). Gosta de fazer surf, de comer gelados de chocolate e almôndegas com esparguete, e de cantar as músicas da JoJo Siwa. Quer que nos mudemos para Los Angeles para conhecer a dita artista. Também diz que eu ou o pai só seremos famosos a sério quando lhe apresentarmos a JoJo Siwa. Gosta muito do pai, dos avós, a quem chama carinhosamente de gordos, dos primos e dos amigos da escola que, devido às circunstâncias, deixou de ver por um período escolar inteirinho.

Queixou-se pouco durante o período de confinamento, chorou mais vezes para conseguir alguns minutos no tablet (gosta do aparelho mais do que eu gostaria e até já me disse, num ataque de raiva, que o tablet é melhor do que a família toda). A minha pequena é uma criança bem-disposta, com um sentido de humor afiado, e adora fazer patifarias. No outro dia andei imenso tempo à procura do telemóvel. A patifa escondeu-mo entre os livros do seu quarto. Só o descobri porque me ligaram e o toque soou abafado entre a Alice Vieira e a Sophia de Mello Breyner. Zanguei-me com ela por me ter escondido o telemóvel e não devia tê-lo feito. É que ela queixa-se de que passo demasiado tempo agarrada ao aparelho, e tem razão. Também sinto que me zango demasiado. Devia zangar-me menos, porque ela é uma boa menina, amorosa, doce e inteligente.

Olho para ela e fico a pensar no milagre que é ter feito uma pessoa assim. Tão acima das minhas possibilidades, tão mais radiosa e radiante do que alguma vez sou ou serei. É uma menina livre na expressão e diz-me todos os dias, mesmo quando às vezes sinto que nem mereço: “Amo-te, mãe.” Desde que veio ao mundo, sou obrigada a clampar as artérias ou esvaio-me em sangue de cada vez que a olho com atenção. Gosto tanto dela. Não há nada, mesmo nada, que se compare a este amor. Por isso, quando me pediu para escrever sobre si, sobre a sua vida, já sabia que, quando o fizesse, as lágrimas cairiam. Sofro de incontinência lacrimal quando escrevo sobre a minha menina. Mas felizmente estão a ler-me através deste ecrã impermeável. 

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