Dez milhões de razões

É melhor insistir nas comparações, agora não tanto com os piores para nos assustarmos, mas com os melhores para ambicionarmos.

As pandemias têm destas coisas, nunca somos só nós, são também os outros. Num país cuja geografia (se calhar devia sublinhar periferia) não favorece as comparações, a covid-19 obrigou desde cedo a um exercício constante de ver nos outros o que não queríamos que nos acontecesse.

Começou com a China e o confinamento de largas regiões do país. “É uma ditadura, nunca um país ocidental e democrata seria capaz de impor isso.” Como sabemos hoje, a prevenção e o medo da pandemia pararam meio mundo, Portugal incluído. Seguiu-se Itália e os hospitais sobrelotados. Como é que com uma das mais baixas taxas de camas de cuidados intensivos, com um baixo número de ventiladores, nós iremos conseguir evitar o mesmo destino? Os horrores do caso italiano acabariam por funcionar como impulso para que, fosse de que maneira fosse, conseguíssemos evitar a asfixia do Serviço Nacional de Saúde.

As semanas foram passando e, aos poucos, a comparação do medo deu lugar à comparação com orgulho, éramos o “milagre português”, contra todas as expectativas tínhamos tido uma performance melhor do que muitos e os números baixavam. O desconfinamento e o regresso à economia impunham-se, muitos começaram a achar que já tínhamos resgatado o nosso destino e que o vírus era só um problema colateral. Afinal, poucos se comparavam a nós.

Só que as comparações não terminaram e aquelas que os gráficos permitem, com as suas curvas, continuaram a mostrar um país que pode estar cá em baixo nos números absolutos, mas que não mostra sinal de fazer descer a linha ao ponto que outros países terão conseguido. Por isso é melhor insistir nas comparações, agora não tanto com os piores para nos assustarmos, mas com os melhores para ambicionarmos.

Olhemos para o que vai acontecendo um pouco por todo o mundo com surtos e recrudescimento, para perceber que não somos caso único e que sem resolver o vírus nunca conseguiremos resolver a economia. Olhemos para as melhores práticas para enfrentar o desconfinamento, e interiorizemos que, sem nos continuarmos a esforçar com o empenho que tivemos nos primeiros dias, não vamos conseguir ultrapassar isto da melhor maneira. Verifiquemos como se preparam os outros para o que ainda aí vem, por exemplo em áreas cruciais como a educação, para perceber o tanto que ainda temos de fazer.

Os dez milhões de contaminados que o mundo atingiu neste domingo, no dia em que Portugal registou o maior aumento diário de novos casos desde 8 de Maio, estão aí para nos mostrar que não estamos sozinhos. Vivemos juntos a mesma tragédia e ganhamos muito em aprender uns com os outros.

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