Transportadoras questionam vantagens das paletes de madeira

Um estudo da Associação Europeia de Fabricantes de Paletes e Embalagens de Madeira pretende comprovar as “vantagens higiénicas” das paletes de madeira face às fabricadas com outros materiais, nomeadamente o plástico. Transportadores duvidam das vantagens da madeira “por ser porosa” e “mais difícil de lavar e desinfectar” enquanto que os ambientalistas sublinham as vantagens ambientais.

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daniel rocha

O estudo científico da EPAL Internacional, Associação Europeia de Fabricantes de Paletes e Embalagens de Madeira foi elaborado pelo Instituto de Tecnologia da Madeira de Dresden (Institut für Holztechnologie Dresden IHD), na Alemanha, entre Fevereiro de 2018 e Dezembro de 2019. Pretende comprovar as “vantagens higiénicas das paletes fabricadas em madeira relativamente às construídas com outros materiais” 

A EPAL fala de “uma evidência extremamente importante para todos os consumidores”, tendo em conta que 72% dos produtos que chegam às nossas casas viajaram em cima de paletes de madeira”. Sendo a madeira “um produto natural, sustentável, duradouro, reutilizável, económico, reciclável e amigo do ambiente”, as paletes de madeira, diz a EPAL Internacional, “podem ser usadas sem hesitação, mesmo na indústria de alimentos, sector sensível à higiene”.

“Na madeira, as bactérias têm uma taxa de sobrevivência mais baixa do que no plástico, portanto, é seguro concluir que as paletes de madeira são adequadas para uso no transporte de alimentos”, refere o estudo da EPAL. Em todo o caso, “esse uso exige um rigoroso cumprimento com os regulamentos e normas de higiene aplicáveis à produção, transporte e armazenamento de alimentos, incluindo o controlo contínuo da qualidade da palete e limpeza frequente”. Por outro lado, “quando usadas adequadamente, as paletes de madeira têm uma actividade antibacteriana que é 13 vezes superior à das paletes de plástico H1”, refere o mesmo estudo.

A AIMMP - Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal é associada da EPAL Internacional. Ao PÚBLICO, o presidente, Vítor Poças, reitera as propriedades da madeira. Fala, aliás, do “lóbi do plástico, que, de vez em quando, aparece a tentar impingir às empresas e às pessoas a ideia de que as paletes de plástico são mais higiénicas do que as de madeira”.

Porém, em sua opinião isso “é falso, porque a madeira é um produto natural, sustentável, reciclável, um produto da natureza”. Além de que “as paletes EPAL são certificadas e sujeitas ao ‘heat treatment’ [tratamento térmico], no âmbito da Norma Internacional para Medidas Fitossanitárias (NIMF) 15, para matar todo o qualquer parasita que conste da madeira”.

Na Europa, em média, cada europeu consome “uma palete por ano, ou seja, no final do ano, todo o nosso consumo provocou o desgaste de uma palete”, refere Vítor Poças, sublinhando que o estudo da EPAL Internacional “pode gerar uma consciência crítica muito maior nos consumidores de que devem recorrer ao consumo de produtos cada vez mais sustentáveis, naturais, recicláveis e reutilizáveis”.

Por outro lado, do lado dos industriais o estudo agora divulgado “pode acabar com o sofisma de que as paletes de outros materiais são higienicamente melhores que a madeira”. Além de que, sendo a durabilidade média de uma palete EPAL “oito anos”, também são “mais competitivas em termos de preço, mais baratas que as de plástico, pois se tivermos uma palete de madeira que anda oito anos no mercado, a sua reutilização fica ao preço da chuva”. E, ao fim desse tempo, “ainda pode ser triturada para outras utilizações”.

ANTRAM: “paletes de plástico são uma opção mais inteligente”

Mas as vantagens enumeradas no estudo da EPAL não convencem os transportadores de mercadorias. Questionada pelo PÚBLICO sobre aquelas conclusões, o Centro de Estudos Técnicos da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) começa por dizer que, “nos últimos anos, o uso de paletes de madeira para transporte e armazenamento de alimentos passou a ser muito questionado, principalmente após alguns casos de intoxicação que receberam muita exposição na comunicação social”.

A Associação salienta que “as empresas da cadeia alimentar têm o dever de assegurar a qualidade e a segurança dos seus alimentos” e que “a garantia da segurança alimentar, além de ser exigida por lei, é um requisito fundamental para uma empresa manter a competitividade no mercado”.

Ora, “para garantir os padrões de higiene e segurança alimentar, os estrados e prateleiras devem estar sempre limpos e secos e em bom estado de conservação” e, na opinião dos responsáveis do Centro de Estudos Técnicos da ANTRAM, “as paletes de madeira devem ser evitadas, por ser um material poroso e irregular, que armazena água e resíduos de alimentos e maior risco de contaminação por fungos e bactérias”.

Outro aspecto que consideram “importante” é que “a madeira, por ser porosa, é mais difícil de lavar e desinfetar” e, além disso, “paletes de madeira armazenadas em ambientes externos e expostos à chuva apresentam um risco maior de contaminação, pois quando molhada, a madeira atinge o ponto de saturação da fibra, deixando os agentes contaminantes mais expostos na sua superfície”.

A somar a isto, diz a ANTRAM que “a madeira também apresenta emendas, farpas, pregos e perfurações, que podem abrigar fungos, bactérias e outros agentes contaminantes, além de oferecer riscos maiores de acidentes”. Consideram, portanto, que “as paletes de plástico são uma opção mais inteligente do que as de madeira, pois o plástico não absorve humidade, não apodrece, não tem farpas e têm maior durabilidade”.

Por último, o Centro de Estudos Técnicos da ANTRAM faz notar que “o plástico apresenta resistência tanto a baixas quanto a altas temperaturas e oferece uma vida útil muito superior à da madeira, que requer reposições constantes”. Aliás, “por ser mais leve, ter vida útil mais longa, não necessitar de manutenção e ser higienizável, a palete plástico possibilita uma redução nos custos”.

“A madeira é carbono capturado da atmosfera”

A associação ambientalista Zero é cautelosa no comentário às conclusões do estudo da EPAL Internacional.

Ao PÚBLICO, Francisco Ferreira, presidente da estrutura, faz notar que “é preciso sempre algum cuidado na interpretação deste tipo de estudos, de dados de ciclo de vida, de garantias em relação a determinados materiais, etc, porque são estudos obviamente encomendados, com interesses próprios”.

Não esconde também que “em várias cadeias de supermercados há um uso muito grande do plástico”, mas lembra que “a madeira já é utilizada há muito tempo para o transporte de frutas e legumes”, nomeadamente, estando convicto de que “a madeira consegue, à partida, ser tão versátil como o plástico”.

Já quanto à higiene, Francisco Ferreira alerta: “Temos normas certificadoras para a madeira e temos normas certificadoras para o plástico e, nesta questão do contacto de materiais com produtos alimentares, obviamente as exigências são grandes”, havendo “inclusive cuidados de verificação no sentido de garantir que não há problemas de contaminação dos alimentos”.

Para o presidente da Zero, “põem-se aqui duas questões, quer no caso dos plásticos, quer no caso da madeira”. Uma, tem a ver com “o tipo de produtos que são utilizados na higienização”. E essa, diz, “é sempre uma questão em aberto, quer do ponto de vista da saúde pública, quer do ponto de vista ambiental”.

A outra questão é do foro ambiental e da sustentabilidade dos recursos. E, aí, “a madeira tem uma vantagem em relação ao plástico”. Em ambos pode haver “um uso recorrente”, ou seja, não são embalagens “de uso único”, o que “é o mais importante do ponto de vista ambiental”.

Mas depois surge “a grande vantagem que encontramos na madeira em comparação com o plástico”: é que, “mesmo que o plástico possa resultar de um processo de reciclagem, o plástico é sempre resultante de um combustível fóssil, enquanto a madeira é carbono que foi capturado da atmosfera para ser utilizado”.

Para Francisco Ferreira não há dúvidas: “o plástico não tem essa valência de captura de carbono que a madeira tem”. E isso, “numa análise de ciclo de vida e com preocupações em termos do impacto nas alterações climáticas, faz toda a diferença”.

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