Centros comerciais e lojistas em lados opostos sobre alterações às rendas

Em causa o perdão ou redução das rendas a pagar pelos comerciantes durante o período de encerramento e nos próximos meses, devido à quebra de vendas.

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Depois dos meses de encerramento, muitas lojas reabriram com saldos, para atrair clientes Daniel Rocha

Tem-se verificado alguma coincidência temporal na divulgação de comunicados por parte da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) e das estruturas representativas dos lojistas, como a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), e as associações da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, (Ahresp) e das Marcas do Retalho e da Restauração (AMRR), mas por motivos opostos.

Esta segunda-feira voltou a acontecer, com a APCC emitir um comunicado onde diz que “a criação de um regime excepcional para que, até Março de 2021, os lojistas dos Centros Comerciais paguem apenas a componente variável das rendas, tal como consta da Proposta de Aditamento ao Orçamento Suplementar para 2020 feita pelo PCP, coloca em causa a viabilidade dos Centros Comerciais e pode conduzir alguns deles à falência”.

Também hoje, a Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) divulgou uma nota informativa, mas no seu caso a congratular-se com o projecto de lei do PCP, e com a posição assumida pelo PSD, no seu Programa de Recuperação Económica, onde apresenta propostas concretas para partilha de sacrifícios entre lojistas e proprietários.

Já na passada sexta-feira, e na sequência da aprovação, no Conselho de Ministros, de uma proposta de lei que altera o regime excepcional para as situações de mora no pagamento de rendas não habitacionais, cujo conteúdo concreto ainda se desconhece, a CCP, a Ahresp e AMRR divulgaram um comunicado onde reafirmam “a importância de se encontrar uma solução que permita uma repartição de sacrifícios entre todos os intervenientes [lojistas e proprietários, nomeadamente os centros comerciais]”.

As três estruturas associativas defendem que “relativamente às rendas dos meses em que as empresas foram obrigadas a encerrar deverá haver um perdão de rendas e deverá ser equacionada uma redução no montante das rendas em 50% para os meses seguintes, admitindo-se em contrapartidas que os senhorios possam beneficiar de uma redução substancial nas taxas liberatórias a que estão sujeitos”.

No comunicado desta segunda-feira, a APCC, que diz representar mais de 90% da área bruta locável total existente em Portugal e cujos centros integram 8600 lojas, “estima que mais de 20% dos Centros Comerciais tenham dificuldade em manter-se em operação até ao final de 2020 num cenário como o proposto pelo PCP, o que poderá levar ao encerramento de mais de 2000 lojas, e a uma perda aproximada de 25 mil postos de trabalho directos e 50 mil indirectos”.

“Vivemos num contexto de grandes desafios, e os Centros Comerciais não estão imunes. Podem entrar em falência, destruindo milhares de empregos”, refere a APCC em reacção a eventuais alterações legislativas, a do PCP e outras, uma vez que ainda não se conhece a proposta do Governo sobre a moratória neste tipo arrendamento, que terá de ser aprovada no Parlamento, podendo incluir contributos de outros partidos.

A APCC refere que “ainda este fim-de-semana, no Reino Unido, um dos maiores operadores de Centros Comerciais do país, a INTU, cuja dívida ascende a 5000 milhões de euros, entrou em processo de insolvência”, defendendo que “é necessário conhecimento, ponderação e equilíbrio nas medidas a tomar para que todos os envolvidos na cadeia de valor desta indústria possam recuperar a sua actividade de forma sustentável”. “O sucesso dos Centros é o sucesso dos seus lojistas e vice-versa”, afirma António Sampaio de Mattos, presidente da APCC, no comunicado.

O presidente da APCC argumenta ainda que, “estabelecendo uma medida transversal a todos os lojistas, esta proposta legislativa iria, indiscriminadamente, beneficiar desde as marcas internacionais de grande dimensão até aos pequenos comerciantes de uma só loja, com capacidades diferentes para fazerem face à situação que vivemos”, acrescentando que “a proposta não considera os apoios de 305 milhões de euros já acordados entre proprietários e lojistas para este ano, e que abrangem mais de 87% dos lojistas, estando em causa descontos e moratórias de rendas, que vão para além da ‘lei das moratórias’ e que permitem diferir o pagamento destas mensalidades para 2021 e 2022”.

António Sampaio de Mattos também questiona eventual constitucionalidade de uma medida deste tipo e “alerta para as consequências que a ingerência do Estado na relação contratual entre dois privados terá na reputação de Portugal como país seguro para investir, não só no imobiliário, mas no seu todo”.

Por último, “a APCC e os seus associados reiteram o seu compromisso de monitorizar a evolução da situação e de continuar a encontrar as soluções adequadas a cada momento e à capacidade de cada lojista, tendo em vista a preservação do emprego gerado por este sector e a sua contribuição para a retoma da economia”.

AMRR coloca outdoor junto ao Parlamento

A nova Associação das Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) criada já no âmbito da pandemia, continua a defender uma partilha de sacrifícios, afixou um outdoor junto à Assembleia da República com a mensagem de apelo aos deputados: “Os lojistas querem sobreviver. Não nos afundem. Lei das Rendas dos Lojistas. 375.000 famílias dependem do vosso voto”.

No comunicado desta segunda-feira, a AMRR diz congratular-se com as propostas do PCP e do PSD. Tal como o PÚBLICO noticiou recentemente, o PCP propõe que, “até 31 de Março de 2021”, não sejam devidos “quaisquer valores a título de rendas mínimas, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista”.

O PSD, no seu Programa de Recuperação Económica, incluiu “uma proposta no sentido de ajustar à nova realidade, as rendas dos grandes espaços comerciais (Centros Comerciais)”, refere a associação, acrescentando que para as lojas de rua, o PSD também assumiu uma proposta que reduz em cerca de 28% as rendas durante o ano 2020, assegurando aos senhorios individuais e PME uma compensação fiscal com vista a evitar qualquer perda de rendimento”. No entanto, as propostas do PSD não foram transformadas em proposta legislativa concreta.

A AMRR acrescenta ainda que “após os seus responsáveis terem sido ouvidos pela Comissão de Economia Inovação Obras Públicas e Habitação, no passado dia 3 de Junho, também o Partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN), o Bloco de Esquerda e o CDS-PP concordaram com a necessidade de ser criada legislação específica neste contexto”.

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