Confinados, desconfinados, exasperados

Não faltam motivos para criticar cientistas e políticos – uns por não chegarem a conclusões, outros por chegarem a conclusões erradas ou atrasadas –, mas é preciso fundamentá-los e não cair na exasperação gratuita de atirar o barro à parede.

Uma das maiores lições – senão a maior – que aprendemos com a covid-19 é a fragilidade e a incerteza dos conhecimentos científicos sobre a pandemia que atinge hoje o mundo inteiro, às quais se junta a desorientação, as contradições e o caos nas respostas políticas que se têm dado ao problema (incluindo uma tendência para negar e até inverter as evidências mais elementares como sucede nos Estados Unidos e no Brasil, não por acaso os países que hoje registam o maior número de casos de infecções e mortes pelo coronavírus).

Quanto mais a ciência parece ultrapassada pelos acontecimentos e limitada a repetir as mesmas conclusões, mais os políticos tendem a arriscar passos no desconhecido – ou a persistir numa estratégia negacionista à Trump e Bolsonaro – perante a pressão asfixiante de uma crise económica sem precedentes e com efeitos devastadores para o futuro do planeta. A perspectiva de um mundo diferente – menos consumista, ecologicamente mais saudável, mais respeitador do clima e do ambiente – que a pandemia também colocou como desafio decisivo, parece ainda congelada na arca das belas intenções civilizacionais.

Entre o confinamento e o desconfinamento instalou-se a exasperação dos políticos com os cientistas, como verificamos em Portugal por causa das deficiências de previsão da crise epidemiológica na Área Metropolitana de Lisboa (um caso que só pecou por tardio, sabendo-se das condições estruturais, da precariedade laboral e habitacional à sobrelotação dos transportes públicos, que iriam favorecer inevitavelmente essa crise). Se os cientistas pecam por limitar-se a ler os sinais críticos sem deles extrair conclusões e orientações – e isso é válido um pouco por toda a parte, incluindo os Estados Unidos, onde o reputadíssimo imunologista dr. Fauci vem repetindo o clássico ritual dos conselhos básicos para prevenir o contágio enquanto tenta contrariar o optimismo delirante de Trump –, os políticos confirmam, em geral, uma dramática incapacidade estratégica para antecipar e enfrentar a realidade (preferindo, em desespero de causa, a fuga para a frente, como aconteceu, por exemplo, com Boris Johnson no Reino Unido).

Só que a questão não se limita aos cientistas e aos políticos, envolvendo media e comentadores encartados como verificamos em Portugal, cada qual com uma teoria mais definitiva do que outra – e até contradizendo-se, por vezes, num curto espaço de dias, entre a condenação peremptória do confinamento em nome do direito ao trabalho até à respectiva aceitação por um período limitado. A prosápia leva alguns deles a ter uma espécie de receita mágica para instrução de políticos e cientistas, com base em edificantes lugares comuns cuja adopção permitiria a solução de todos os problemas. Não por acaso, referem-se aos males portugueses no campo da epidemia como se a covid-19 fosse um estrito problema nacional e Portugal uma ilha no mundo aparentemente aparte desse problema.

Não se trata de abdicar de uma atitude crítica e de justificar o conformismo precisamente numa altura em que, mais do que nunca, precisamos de estar atentos e vigilantes em relação à realidade. Mas toda a atenção, vigilância e exigência necessárias não dispensam humildade, bom senso e capacidade de discernimento, evitando o recurso a bodes expiatórios para sustentar a arrogância das nossas opiniões. Não faltam motivos para criticar cientistas e políticos – uns por não chegarem a conclusões, outros por chegarem a conclusões erradas ou atrasadas –, mas é preciso fundamentá-los e não cair na exasperação gratuita de atirar o barro à parede.

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