Que regresso à escola seis meses depois?

No próximo ano letivo, os professores não só enfrentarão alunos mais desiguais como será maior a incerteza acerca do seu nível de conhecimentos.

A passagem abrupta para um modelo de ensino à distância levantou receios acerca dos seus impactos na aprendizagem e na desigualdade entre alunos. Se de facto o ensino não presencial tiver consequências mais negativas sobre os alunos com maiores dificuldades, as escolas irão receber alunos excecionalmente heterogéneos no próximo ano letivo, colocando novos desafios aos professores na preparação das suas aulas.

A principal medida anunciada pelo Governo para o próximo ano letivo foca-se na aquisição de recursos tecnológicos para escolas e alunos. No entanto, sabemos por experiências passadas que dar apenas os recursos tecnológicos não garante, por si, a melhoria dos resultados dos alunos, sendo necessário criar as condições para que estes sejam eficazmente utilizados. Por isso mesmo, nas últimas semanas, têm sido muitos os apelos para que outras soluções sejam postas em cima da mesa, nomeadamente através de planos de recuperação que amenizem os efeitos de uma escola à distância durante vários meses. Muitos programas de apoio a alunos já existiram no passado no sistema de ensino português. Contudo, e seguindo um mau hábito nosso, muitos desses programas ou não foram avaliados ou foram-no de tal forma que é hoje difícil afirmar verdadeiramente qual o seu impacto.

Sugerimos assim alguns princípios a ter em conta no regresso à escola por forma a recuperar os alunos para os quais o ensino a distância teve impactos mais negativos, garantindo ao mesmo tempo a evolução daqueles que conseguiram manter um maior contacto com a escola.

Desde logo é preciso diagnosticar o impacto que o ensino à distância teve nos alunos. No próximo ano letivo, os professores não só enfrentarão alunos mais desiguais como será maior a incerteza acerca do seu nível de conhecimentos. Muitos professores, por forma a diminuir esta incerteza, aplicam já no início de cada ano os chamados testes de diagnóstico (que por norma não contam para a nota do aluno), obtendo assim uma primeira perceção acerca das suas turmas. Estes mecanismos ganham especial importância no novo ano letivo, devendo ser o mais comparáveis possível entre turmas e escolas, informando rapidamente os professores acerca dos diferentes ritmos na sala de aula. Estes testes podem de facto fazer a diferença se levarem a uma adaptação dos métodos de ensino, como se observou em estudos sobre as consequências dos testes de diagnóstico nos Estados Unidos.

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Paulo Pimenta

No atual contexto, esta adaptação poderá passar por aulas extras de apoio dirigidas aos alunos com maiores dificuldades identificadas no diagnóstico do início do ano, o que exigirá naturalmente um reforço do número de docentes. Dos estudos existentes, salientamos que, para alunos mais novos (1.º ciclo), estas aulas de apoio são igualmente eficazes caso aconteçam de forma individualizada ou em pequenos grupos. Para alunos mais velhos, a evidência aponta como mais vantajoso um apoio individualizado focado em conteúdos não consolidados de anos anteriores.

O difícil momento atual pode assim abrir caminho para duas iniciativas em termos de política educativa. Em primeiro lugar, durante os últimos meses muitos materiais novos foram produzidos pelos professores, havendo uma clara oportunidade para os compendiar, trabalhar e colocar à disposição de todas as escolas. Experiências passadas nos Estados Unidos mostraram que disponibilizar conteúdos online para uso dos professores em aula teve impactos positivos nos resultados dos alunos, sendo maiores quando os professores para além dos recursos recebiam formação acerca de como os usar. Tal pode ser particularmente útil quando num recente inquérito publicado pela Nova SBE cerca 66% dos professores afirmaram que não tiveram qualquer formação em ensino à distância, ilustrando como os novos recursos criados podem ser relevantes neste esforço que se avizinha.

Em segundo lugar, uma vez que esta nova realidade implica um aumento do financiamento do sistema, tal pode também ser aproveitado para aumentar a autonomia das escolas na gestão dos recursos existentes. Segundo um relatório da OCDE de 2018, 93% dos orçamentos das escolas são gastos com despesas fixas de pessoal, deixando muito pouco espaço para outras decisões pedagógicas. Deste modo, a gestão destas verbas adicionais seria feita pelas escolas, deixando-as definir os planos de recuperação consoante a sua realidade, sendo que este maior grau de autonomia deve ser acompanhado de uma monitorização dos resultados obtidos.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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