O prémio aos profissionais de saúde

Os médicos irão manter-se sempre alerta e disponíveis para continuar a abraçar esta dura e penosa missão: salvar as vidas. Vamos manter o exemplo e o rumo até ao fim. Esse sim será um prémio certamente muito bem acolhido.

Não senhor primeiro-ministro, a final da Liga dos Campeões não premeia nem os profissionais de saúde nem o Serviço Nacional de Saúde.

O dia 2 de Março de 2020 trouxe a temida confirmação dos primeiros casos de covid-19 em Portugal. Esta data, marca o início de uma verdadeira revolução nos cuidados de saúde e na sociedade em geral: o medo, a incerteza e a angústia marcaram o dia-a-dia dos portugueses. Relatos das experiências de outros países fizeram-nos recear o pior cenário. O mundo conheceu um novo mundo: o isolamento social, as ruas vazias, os céus despidos de aviões e o silêncio ensurdecedor.

Porém, nas unidades de saúde, o movimento continuou. O medo deu lugar à entrega, a resiliência substituiu a incerteza e o espírito de missão tomou o lugar da angústia. Foram inúmeros os exemplos de entrega, solidariedade e abnegação que marcaram a dura realidade do dia-a-dia dos profissionais de saúde. Exemplos que cruzaram diferentes gerações, profissões e locais de trabalho. Dos assistentes mais graduados aos jovens de formação geral, a entrega e dedicação foram e continuam a ser motivo de enorme orgulho e esperança no futuro. Apesar das diferenças, todos unidos pelo mesmo objetivo: a luta contra um inimigo invisível que não conhece fronteiras, culturas, estratos sociais ou etários.

Felizmente, com os esforços de contenção e responsabilidade sociais foi igualmente possível, numa primeira fase, colocar Portugal num local de destaque no panorama internacional. Lentamente, foi possível “aplanar a curva” e conseguir permitir retomar a vida, a liberdade e a esperança.

Foram horas e dias difíceis, para os doentes e para os profissionais de saúde. A angústia do desconhecimento científico sobre este novo vírus, as suas variadas formas de apresentação e severidade clínicas e o desfecho muitas vezes imprevisível e indesejado, tornou toda esta luta num enorme e duro desafio a nível clínico, de gestão de recursos (humanos, técnicos, espaços físicos) e exigiu de todos uma permanente readaptação a uma realidade em constante mudança.

O distanciamento social e fraterno a que nós, como seres humanos, fomos votados acentuou a dureza e a crueldade deste período. O sofrimento dos doentes isolados, dos seus entes mais queridos, a ausência dos cumprimentos sociais e fraternos ou o exercício da nossa profissão atrás de máscaras, viseiras e fatos integrais foram e ainda são duras provas ao exercício da Medicina e da humanização nos cuidados de saúde.

Este é, de facto, o momento do reconhecimento e homenagem a todos os profissionais de saúde enquanto vetores cruciais na luta contra esta pandemia pela sua coragem e pela sua entrega a uma causa maior. Mas este é também o momento de homenagear a responsabilidade cívica de todos aqueles que no seu dia-a-dia contribuem para esta causa cumprindo, com elevado sentido de zelo e responsabilidade, as normas de segurança preconizadas nas suas relações familiares, sociais e profissionais.

Este é o prémio que os profissionais de saúde desejam: o reconhecimento do seu esforço, do risco a que estão expostos e da sua entrega à missão que abraçaram – curar, tratar e confortar. A melhor forma de materializar esse prémio é permitir aos profissionais de saúde ver os seus esforços concertados com decisões políticas coerentes perante a situação vigente.

O balanço cauteloso entre prestação do melhor cuidado de saúde e sustentabilidade económica será sempre a chave do sucesso, não estagnando uma economia já muito debilitada pelos efeitos desta primeira onda, mas igualmente não colocando indicadores económicos cegamente à frente dos indicadores de saúde pública.

O prémio que a humanidade deseja é voltar a viver normalmente: sem medo, sem covid-19 e sem máscaras. Mas até isso ser possível, viver com a “normalidade” possível. Isso exige coragem nas decisões e responsabilidade na mensagem veiculada. Enfim, firmeza na acção política.

A final da Liga dos Campeões não só não premeia nem reconhece o trabalho que se tem desenvolvido no SNS como paradoxalmente o desrespeita. É um péssimo e frágil sinal de falsa normalidade que se pretende passar à população. Não, sr. primeiro-ministro, nem “tudo vai ficar bem”. Muito menos ainda podemos dar como adquirido que acabou e que “tudo ficou bem”.

Não ignorando o louvável esforço e capacidade de testagem, deparamo-nos, fase atual, com números diários de novas infeções em trajetória crescente, já sobreponível ou até superior aos do final de abril/início de maio.

Os médicos irão manter-se sempre alerta e disponíveis para continuar a abraçar esta dura e penosa missão: salvar as vidas de todos mesmo quando as suas estão em risco. Mas ajude-nos a tornar possível esta missão, a par da abertura da economia passe a mensagem correcta, real e honesta – “ainda não está tudo bem”.

Só assim será possível conter os números que teimam em subir e ajudar a reedificar o nosso país. Juntos seremos sempre mais fortes e, certamente, invencíveis. As provas iniciais já foram dadas... Não perca o leme. Vamos manter o exemplo e o rumo até ao fim. Esse sim será um prémio certamente muito bem acolhido.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico                                                                                                 

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