Pintura

Os Painéis de São Vicente já estão despidos

Retirar as molduras permitirá fazer em melhores condições os exames de imagem essenciais à criação de uma boa base de estudo e de trabalho para todos os especialistas envolvidos neste ambicioso projecto de conservação e restauro

Daniel Rocha
Fotogaleria
Daniel Rocha

É preciso retirar-lhes as molduras com todas as cautelas porque, afinal, são elas que em boa parte mantêm estáveis os seis painéis que Nuno Gonçalves, pintor do rei D. Afonso V, terá feito há 550 anos para o retábulo de São Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa. 

Sem esta protecção dourada os Painéis de São Vicente (c.1470), a mais importante obra da pintura antiga portuguesa, parecem surpreendentemente desamparados e expostos, como que despidos.

Olhando para eles na versão frente e verso apercebemo-nos dos seus bordos desiguais, das tábuas abauladas, das cavilhas usadas para as unir umas às outras, das argamassas com pigmento que preenchem falhas na madeira de carvalho que lhes serve de suporte. 

Tiradas as molduras foi preciso colocar na parte superior e inferior de cada painel duas travessas de madeira forradas e aparafusadas de modo a que a pintura fique presa e imóvel entre elas, explica Susana Campos, conservadora-restauradora do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), que a 18 de Maio deu formalmente início a um projecto a dois anos que pretende aproximar este retrato colectivo que tem no seu acervo do original deixado por Nuno Gonçalves. 

“Estas travessas forradas, os encabeços, garantem que as tábuas permanecem no sítio e não empenam. Sem as molduras as tábuas que compõem cada painel ficam mais sujeitas a oscilações que podem danificar as juntas [as zonas de ligação entre uma tábua e a que está imediatamente ao seu lado] e, com isso, a pintura. Estes encabeços mantêm tudo no lugar”, diz Susana Campos, apontando para as diferenças nas margens que ficam escondidas pela moldura no chamado “Painel dos Cavaleiros”. 

No topo a pintura vai até ao extremo do bordo, noutros lados não; e num deles vê-se bem que a madeira que estava sob a moldura já não é certamente a original, acrescenta a conservadora do MNAA. 

“Sabemos que os Painéis foram cortados e acertados, que chegaram até a ser desbastados no verso para combater os insectos xilófagos [que perfuram e comem a madeira], mas agora vamos poder voltar a estudá-los e reunir ainda mais informação. No caso dos que têm pintura até ao bordo o facto de algumas áreas terem estado sob a moldura pode trazer dados importantes sobre os vernizes.”

Foi há quase 30 anos que os Painéis de São Vicente foram desemoldurados pela última vez, à data de um dos estudos mais abrangentes que sobre eles se fez, um projecto que, em parte, acabou por ficar pelo caminho. 

“As zonas que estão tapadas pela moldura são extremamente importantes do ponto de vista informativo. Dão-nos conta, por exemplo, de aplicações de verniz que foram feitas sem que fossem desemoldurados. Guardam dados importantes sobre a história material da obra, sobre as transformações que teve”, diz Joaquim Caetano, historiador de arte e director do MNAA.

Mexer nas molduras de uma obra com mais de 550 anos é uma operação sensível porque pode interferir na junção das tábuas que compõem cada painel, lembra o também conservador de pintura. E quanto maior o painel, maior o risco. “Tudo é feito com muita calma para que, ao tirar a moldura, cada pintura possa ser estabilizada antes de se passar à seguinte.”

No caso dos painéis centrais, os que têm São Vicente representado, a atenção é redobrada, garante Susana Campos. “Julgo que não teremos problemas com as juntas. No dos ‘Cavaleiros’ só temos três tábuas, mas nos centrais, que são bastante maiores, havendo mais juntas haverá mais zonas sensíveis e os cuidados têm de ser acrescidos.”

Retirar as molduras permitirá fazer em melhores condições os exames de imagem essenciais à criação de uma boa base de estudo e de trabalho para todos os especialistas envolvidos neste ambicioso projecto de conservação e restauro, afirma Joaquim Caetano, referindo-se, por exemplo, à macrofotografia e à fotografia com luz rasante. É esta última técnica que permite, explica Campos, identificar irregularidades na superfície pintada. 

“Com este levantamento de luz rasante podemos ver melhor o estado de conservação das juntas, as zonas onde há empastes, sobreposição de camadas… Essa informação que depois cruzamos com a das análises químicas e outras permite-nos ir construindo o diagnóstico das pinturas de que precisamos antes de avançarmos”, diz a conservadora.

São também esses exames fotográficos, a serem feitos já a partir da primeira semana de Julho, que produzirão as imagens que José de la Fuente Martínez, especialista em madeiras do Museu do Prado, em Madrid, vai analisar antes de se deslocar a Lisboa para avaliar o estado de conservação dos Painéis

Este conservador do Prado é um dos membros da equipa de consultores nacionais e internacionais envolvidos no projecto. “Contamos com a sua experiência. Em Portugal, infelizmente, já não temos nenhum especialista em suportes de pintura antiga.”

Lucinda Canelas

Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha