Violência doméstica. Pedidos de ajuda duplicaram com o desconfinamento

Os pedidos de ajuda à Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica aumentaram de 2500 para 4500 por quinzena. No entanto, o menor número de pedidos registado no período de confinamento representa apenas uma “tranquilidade aparente”.

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PAULO PIMENTA

O número de pedidos de ajuda à Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica duplicou com o desconfinamento, segundo o gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e a APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. O número de pedidos àquela rede aumentou de 2500 para 4500, por quinzena – quase o dobro dos atendimentos registados no período de confinamento.

Daniel Cotrim, psicólogo da APAV, explica ao PÚBLICO que com o desconfinamento começou a haver “uma espécie de retoma à vida normal, aquilo a que se chamou a ‘nova normalidade'”. “Os agressores e agressoras voltam ao trabalho, a sair de casa, a desconfinar; as próprias vítimas também, de alguma forma, desconfinam e voltamos quase a um cenário anterior ao período de confinamento”, afirmou.

Além disso, com o desconfinamento, “acaba por haver um maior recurso e acesso das vítimas novamente à Rede Nacional de Apoio”, continuou o psicólogo da APAV, o que leva a um aumento dos pedidos de ajuda, feitos presencialmente ou através das linhas de apoio. Ainda assim, ressalva que “as forças de segurança não estiveram de quarentena”.

No entanto, o menor número de pedidos de ajuda registado nos meses anteriores não significa que a violência doméstica tenha necessariamente diminuído – trata-se antes de uma “tranquilidade aparente”, explica Daniel Cotrim. “O período de desconfinamento colocou as vítimas, de alguma forma, em prisão domiciliária: estiveram a viver cercadas pelo agressor ou pela agressora”.

Neste sentido, destaca a violência “silenciosa” exercida sobre as vítimas nesta altura. “Muitas vezes o agressor ou a agressora exerceu o seu controlo e domínio através de violência psicológica e sexual, coagindo a ter relações sexuais, por exemplo – tudo formas muito silenciosas de violência”.

Entre 30 de Março e 7 de Junho foram feitos quase 16 mil pedidos de ajuda à Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, tal como avançou o Jornal de Notícias esta sexta-feira. O PÚBLICO confirmou esta informação com o gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.

Segundo Daniel Cotrim, o aumento dos pedidos de ajuda depois do desconfinamento era algo que “as organizações e o próprio Governo” já tinham previsto. “Este é um processo que começa a acontecer agora e que nós acreditamos que se vai desenrolar de alguma forma até ao final do ano”, acrescentou o psicólogo da APAV.

Pandemia potenciou novos casos de violência doméstica

Grande parte dos pedidos de informação e de ajuda, durante o mês de Março e de Abril, foram apresentados por terceiros, isto é, por vizinhos ou amigos. Para Daniel Cotrim, este “controlo social” foi importante e seria positivo que esta “consciência cidadã” continue.

O psicólogo da APAV considera ainda que a situação de confinamento potenciou novos casos de violência doméstica. Destaca-se o stress ambiental e emocional: “De repente, as pessoas passaram a estar juntas 24 horas por dia, uma coisa perfeitamente inédita”.

A pandemia e o confinamento vieram agudizar conflitos. Nos acolhimentos de emergência, conta o membro do APAV, “surgiram muitas situações de mulheres que eram vítimas de violência doméstica pela primeira vez”. Tinham situações conjugais mais ou menos disfuncionais, com conflitos e discussões, que evoluíram para algo mais forte – um aumento de tensão relacionado com a situação de confinamento e de stress emocional.

Texto editado por Pedro Rios

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