Um terço de Portugal continental apresenta níveis elevados de perigosidade de incêndio rural

Avaliação foi feita pelo Instituto de Conservação de Natureza e Floresta, em parceria com o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, com a Direcção Geral do Território e o Instituto Superior de Agronomia. Especialista do Observatório Técnico Independente critica os critérios e a utilidade da carta de perigosidade.

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LUSA/LUÍS FORRA

Um terço do território continental português (33,4%) apresenta níveis altos de perigosidade de incêndio rural. A informação surge na carta de perigosidade estrutural, referente à década de 2020-2030, divulgada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). No documento são destacadas como zonas críticas as serras do Alto Minho e do Gerês, os planaltos e serras do norte da Beira, a serra da Estrela e o Pinhal Interior, assim como as serras algarvias (Monchique e Caldeirão). Para além destas regiões, são também assinaladas zonas que na última década foram recorrentes na ocorrência de grandes incêndios, tais como o Maciço Estremenho e Médio Tejo.

Nestes territórios, o solo é ocupado predominantemente por pinheiros-bravos, eucaliptos, carvalhos, castanheiros e por espécies invasoras como as acácias. Os matos e outra vegetação esparsa completam a lista.

Segundo a informação disponibilizada pelo ICNF ao PÚBLICO, a carta de perigosidade estrutural “tem contribuído para a definição de zonas prioritárias de intervenção”, nomeadamente “no planeamento e da instalação de infra-estruturas destinadas à referida prevenção e ao apoio ao combate” a fogos rurais. No entanto, Emanuel Oliveira, consultor na área dos incêndios florestais e membro do Observatório Técnico Independente, duvida da utilidade do instrumento para a “prevenção estrutural ou prevenção operacional”, em grande parte devido aos critérios pouco claros que compõem a metodologia usada. “Não é muito produtiva e vale muito pouco.”

Para esta referenciação, o ICNF, em colaboração com Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (pertencente à Universidade de Lisboa), com a Direcção Geral do Território e o Instituto Superior de Agronomia, partiu de variáveis como a ocupação do solo, o declive, a altitude e a cartografia de áreas ardidas ao longo dos últimos anos. Emanuel Oliveira contesta esta escolha, especialmente no que diz respeito à inclusão das áreas ardidas.

“Temos situações em que um território que é muitas vezes percorrido pelo fogo é considerado mais perigoso, de maior perigosidade. Mas se [os territórios] arderam no ano passado ou há dois anos, como é que vão arder novamente? Não têm condições para isso”, ressalva. Em oposição, “territórios que nunca arderam” e que, consequentemente, “têm maior acumulação de combustível e uma estrutura de combustível muitas vezes muito perigosa” são categorizados como sendo “de baixa perigosidade”.

Para o técnico, esta lógica de avaliação está “completamente invertida”, já que são estas situações (não referenciadas) que “vão trazer-nos problemas”. Para ilustrar o seu ponto, serve-se do exemplo do incêndio de Vila do Rei e Mação ocorrido em 2019. “Terminou na área ardida de 2017. O comportamento do fogo foi diferente, o que permitiu às equipas de combate extingui-lo mais facilmente”.  Defende, por isso, “outra forma de analisar o território face à vulnerabilidade face aos incêndios rurais”.

Os “modelos de combustíveis"

Simultaneamente, há factores que não são incluídos na avaliação que está na origem carta de perigosidade estrutural divulgada pelo ICNF e que para Emanuel Oliveira “estão a faltar”. São eles os “modelos de combustíveis”, a “exposição solar” desses mesmos combustíveis e o “retorno” (a potencialidade de um incêndio regressar a um determinado território). Uma lacuna olhada com estranheza pelo técnico, mas também pelo observatório que integra. “São componentes essenciais para analisarmos a vulnerabilidade ou a perigosidade do território que não são tidas em conta”, acrescenta.

Dos critérios considerados pelo ICNF, apenas a ocupação do solo e as áreas ardidas são considerados critérios com evolução temporal, pelo que não é possível apontar “grandes variações” nas últimas décadas no que diz respeito às áreas de risco - sotavento algarvio e a serra do Caldeirão apresentam-se como as únicas excepções. Apesar da relativa estagnação, constata-se uma relação de causalidade entre o “processo de despovoamento e abandono do espaço” e as zonas que nos últimos anos evoluíram para um nível mais alto do índice de perigosidade.

Uma realidade que para Emanuel Oliveira irá levar ao “incremento e agravamento das condições” potenciadoras de incêndios florestais em Portugal “já nas próximas décadas”, e que resultará em incêndios “muitos mais graves”. “Enquanto técnico de fogo controlado, eu não sou capaz de me substituir a uma comunidade pastoril onde se faz muito mais fogo, ainda que ilegal, e, desta forma, moldar a paisagem, fazer a gestão de combustível e a renovação da pastagem. Eu não sou capaz de fazer isso como eles, com a mesma dimensão ou com a disponibilidade de tempo. Precisamos de gente.”

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