“A história já não é um fardo” para o Liverpool

O distanciamento social foi colocado na gaveta de onde saíram cachecóis bafientos, há três décadas à espera de serem usados nos festejos

Foto
"Os campeões de Jürgen [Klopp]" LUSA/PETER POWELL

“A história já não é um fardo, é a base do que estamos a fazer”. Quem o diz é Jürgen Klopp, treinador que inventou, desenvolveu e colocou em ponto de rebuçado um Liverpool que não era campeão inglês há 30 anos e que selou nesta quinta-feira a conquista da Premier League.

Mas, para o alemão, isto não é sobre si. É sobre quem ganhou no passado e sobre quem falhou nas últimas décadas. Aqueles que, nas palavras do alemão à BBC, construíram a grande história que “torna fácil motivar a equipa”.

Na reacção à conquista, Klopp — que, sempre humilde, diz não querer nenhuma estátua — não se esqueceu de nenhum deles.  “Obrigado ao Kenny [Dalglish] e ao Graeme [Souness], porque este clube está construído no que eles fizeram, tal como Shankly, Paisley, Fagan e muitos outros”, disparou, sobre os ícones do passado, antes de falar para aquele que é, provavelmente, o perdedor mais amado da história do clube: Steven Gerrard. “Este clube esteve construído, nos últimos 20 anos, nas pernas do Stevie. Estou muito contente por podermos dar-lhe este título”, disparou. E falou, em discurso directo, para o actual treinador do Rangers, da Escócia: “Isto é para ti. Isto é mesmo para ti. Espero que o sintas”.

Klopp, o rei da pista

Na festa privada que se realizou em local desconhecido, apesar de haver os sempre alegres Mané e Firmino, os conceituados Van Dijk e Salah, os jovens Arnold e Gómez e os líderes Henderson e Milner, o foco esteve, sobretudo, em Klopp. O alemão, até pela já habitual excentricidade, não escapou aos olhares do mundo. E vacilou, numa primeira fase.

“Não percebo o que se passou com o meu corpo e as minhas emoções. Percebi que isto é obviamente grandioso. Normalmente, estes são bons momentos para discursar, mas não fui capaz. Chorei muito naquela noite”, recordou Klopp, já mais calmo, após a madrugada de festejos, de quinta para sexta-feira.

Mas o treinador não ficou pelo choro e recompôs-se. De copo na mão, de boné para trás e sem vergonha, Klopp transformou as lágrimas e a falta de discernimento para discursar em energia para dançar. “Não danço pelos rapazes. Se quero dançar, danço. E não foi a primeira vez que o fiz num evento destes. Eles sabem que gosto de dançar”, explicou Klopp.

Festa sem distanciamento

A euforia de Klopp na pista não foi menor do que a euforia geral espalhada pela cidade de Liverpool. Na noite de anteontem, Liverpool não foi Liverpool: foi Liverpool Futebol Clube. As ruas e os edifícios estiveram preenchidos de vermelho. Houve cachecóis, camisolas, fogo-de-artifício, tochas e até carros caracterizados a preceito. E pessoas. Muitas pessoas. Demasiadas pessoas.

O distanciamento social foi uma miragem e a consciência social em tempos de pandemia foi, durante várias horas, colocada na gaveta de onde saíram cachecóis bafientos, há décadas à espera de saírem à rua num título inglês.

“Infelizmente, nem toda a gente respeitou as regras em vigor”, notou Rob Carden, chefe da polícia de Merseyside. “Nos próximos dias, instaremos as pessoas a agirem correctamente e a celebrarem de forma segura, com os familiares e dentro da sua bolha social”, acrescentou, antevendo a continuação da festa nas próximas semanas.

“Desde que continuemos humildes e prontos para escrever as histórias que queremos contar aos nossos netos, tudo é possível”, crê Jürgen Klopp, sobre uma história para contar. E esta já merece ser contada.

Sugerir correcção