Realizador e encenador Kirill Serebrennikov condenado por fraude, num processo considerado “estalinista”

Tribunal decretou três anos de pena suspensa. O réu reafirmou-se inocente, prometendo recorrer e lutar pela reposição da verdade. É mais um episódio num processo político que tem mobilizado os meios culturais da Europa na defesa do realizador de Verão.

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Kirill Serebrennikov esta sexta-feira junto ao tribunal que o condenou a três anos de pena suspensa STRINGER/REUTERS

O realizador e encenador russo Kirill Serebrennikov foi considerado culpado de “fraude” e condenado esta sexta-feira, no Tribunal Mechtchanski de Moscovo, a três anos de pena suspensa, em mais um episódio de um processo controverso, que tem sido visto como persecutório e atentatório da liberdade de expressão e de criação na Rússia de Vladimir Putin.

A juíza Olessya Mendeleïeva considerou Serebrennikov (e os seus colaboradores Itine e Malobrodski, também acusados) culpado de “uma fraude de uma amplitude particularmente importante”, noticia a agência AFP. Além de ter ficado proibido de sair do país e de mudar de residência, o realizador vai ter de pagar uma multa de 800 mil rublos (mais de dez mil euros), ficando também impedido de dirigir qualquer instituição cultural durante esse período.

A acusação pedia seis anos de prisão, invocando que “os seus actos foram cometidos com objectivos de enriquecimento pessoal, enganando os seus colaboradores do Ministério da Cultura”. A defesa pediu a absolvição.

Envergando uma máscara sanitária negra, Serebrennikov, de 50 anos, reagiu à leitura da sentença com calma e sem fazer comentários, mas, no final, segundo a AFP, anunciou que irá contestar a sentença e “lutar pela verdade”.

“Neste processo, não há nenhuma prova de qualquer comportamento desonesto da minha parte”, dissera Serebrennikov na segunda-feira, acusando o tribunal de exercer pressão sobre a principal testemunha de acusação, um antigo contabilista do Estúdio Sete, que o realizador tinha fundado em Moscovo.

Kirill Serebrennikov esteve em prisão domiciliária entre Agosto de 2017 e o ano passado, na sequência da acusação de desvio de fundos públicos num valor próximo de 1,8 milhões de euros. Em causa estava uma produção de Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, que, segundo as autoridades, não teria sido concretizada, apesar dos abundantes registos em contrário publicados na imprensa russa e na Internet.

Na sequência dessa detenção, o realizador não pôde, por exemplo, acompanhar, em 2018, a exibição no Festival de Cannes da sua longa-metragem Verão, em que conta a história do músico de rock russo Víktor Tsoi (1962-1990) – depois também exibido nas salas portuguesas. O filme saiu do festival premiado pela banda sonora (de Roman Bilyk e German Osipov).

Desde o início do processo que Kirill Serebrennikov, director desde 2012 do centro cultural Gogol, em Moscovo, e uma figura de vanguarda do meio artístico russo, alega ser vítima de perseguição política. Uma posição secundada por inúmeros apoiantes, algumas centenas dos quais o esperaram e aplaudiram, esta sexta-feira, à saída do Tribunal de Moscovo.

A acusação alega que Serebrennikov liderou, entre 2011 e 2014, um golpe de desvio de fundos públicos no valor de cerca de 1,7 milhões de euros, quando dirigia o seu teatro. Uma acusação que desde o início foi vista, em vários países do Ocidente, como uma forma de calar actos, criações e opiniões contrárias aos valores tradicionais e conservadores acalentados pela Rússia de Putin.

Foi nesse sentido que agora se pronunciou a Human Rights Watch, que, em comunicado citado pelo jornal Le Figaro, após a leitura da sentença, sublinhou “a ânsia do Estado em acusá-lo”. Esta é “uma represália mal disfarçada das posições políticas de Serebrennikov e uma forma de enviar uma mensagem ameaçadora aos artistas, que não têm outra escolha se não renunciar a críticas políticas para poderem beneficiar de fundos públicos”, acrescenta a organização, numa posição secundada, por exemplo, pelo director do Festival de Avignon, Olivier Py, que vê neste processo “um regresso à URSS estalinista”.

Ainda na segunda-feira 300 personalidades das artes e da cultura de diferentes países enviaram uma petição ao Ministério da Cultura russo apelando ao Governo de Moscovo para renunciar à perseguição ao realizador de que resultou este que consideram ser um “caso fabricado”.

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