Dia 72: a memória como calmante da dor da recriminação dos filhos

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

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Quando os meus filhos chegarem à altura de, com ar de vítimas, me perguntarem por que é que destruímos a sua carreira de bailarinos, e eu estiver quase a cair na tentação de lhes pedir desculpa, lembre-nos que bem os arrastámos para lá e que foram as suas birras que tornaram essa escolha impossível.

Quando chorarem revoltados porque não lhes demos atenção suficiente, argumentando que estávamos sempre a brincar com os irmãos mais novos, lembre-nos dos milhões de passeios que demos, dos teatros que fizemos em dias de chuva, das esculturas de barro que esculpimos e das horas a fio de conversa, paciência e calma que lhes dedicamos.

Quando nos baterem com a porta na cara, acusando-nos de termos sido os “piores professores possíveis” durante a quarentena, lembre-nos o quanto eles se riram quando fizemos aquela experiência, da cumplicidade que sentimos nos dias em que tudo correu bem e estávamos tão felizes por estarmos juntos em casa.

Quando nos disserem que são gordos ou magros porque nunca havia em casa “nada de bom” para comer, lembre-nos as horas que passamos no supermercado a tentar agradar a todos, as receitas que experimentámos, e o sufoco das contas de supermercado.

Quando justificarem os seus medos por coisas que nós fizemos ou deixámos de fazer, lembre-nos que muitos dos medos já lá estavam e que fomos nós que lhes demos colo pelas noites adentro, procurámos os monstros debaixo das suas camas e os fomos buscar a casa da amiga à meia-noite e meia porque afinal já não queriam lá dormir. Mas se por acaso nos culparem exactamente por os termos ido buscar ou por não termos sido mais firmes, lembre-nos das birras que fizeram e do quanto imploraram sempre que éramos mais rigorosos.

Lembre-nos, porque a eles não vai valer a pena dizer nada, porque para eles as recriminações fazem parte do seu crescimento. E eu sei isso. Mas mesmo assim... vai doer. Por isso lembre-nos!

Obrigada!


Minha adorada Filha,

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Adorei a tua carta de hoje. Gostava de a ter escrito.

Felizmente, mesmo que a demência já me tenha então tomado os neurónios, tens estas nossas cartas para não vos deixarem esquecer os pais fantásticos que são, até ao dia em que os vossos filhos já tenham crescido o suficiente para vos poderem dizer isso mesmo de viva voz. Ou por carta.

Love you


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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