Joaquim Barroca não sabe como foram abertas duas contas na Suíça em seu nome

O antigo administrador do Grupo Lena está acusado de crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal. Também falou o advogado do primo de José Sócrates, que garante não haver provas de que este tenha “disponibilizado um cêntimo” ao ex-primeiro-ministro.

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Castanheira Neves nas alegações finais, onde defendeu a não pronúncia de Joaquim Barroca LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Castanheira Neves, advogado de Joaquim Barroca, um dos arguidos na Operação Marquês, alegou que o Grupo Lena até perdeu quota de mercado quando José Sócrates foi primeiro-ministro. Isto para contestar a acusação do Ministério Público de que o seu cliente, assim como as empresas do Grupo Lena das quais era administrador, terá pago a José Sócrates para obter favorecimentos em negócios. 

O advogado disse ainda que o seu cliente não sabe como foram abertas duas contas na Suíça em seu nome, por onde o Ministério Público acredita que passaram fundos destinados a José Sócrates. Segundo o advogado — que nesta quarta-feira fez as alegações finais na instrução do processo da Operação Marquês pedindo a não pronúncia do seu cliente —, referiu que o Grupo Lena, entre 2005 e 2011, teve menos 121,1 milhões de euros em adjudicações do Estado.

O empresário Joaquim Barroca foi acusado pelo Ministério Público (MP) dos crimes de corrupção activa de titular de cargo político, corrupção activa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Para Castanheira Neves, a acusação do MP  é “ insustentável” e está cheia de “histórias deturpadas e factos irreais”.

Segundo a defesa de Joaquim Barroca, o seu cliente entregou provas de como não podia ter estado na Suíça no dia em que foram abertas duas contas além daquela que assume que pediu para abrir em seu nome. Esta terceira conta, diz, serviu para depositar cerca de sete milhões de euros referentes à venda de acções, numa operação que garante ser legal. Também nesta conta, o MP diz que circularam fundos que teriam como destinatário José Sócrates.

Em relação às duas outras contas, Castanheira Neves diz que o seu cliente estava, na data da abertura das mesmas, a acompanhar, em Portugal, a mulher, que estava a fazer tratamentos médicos. Recordou que o empresário, em interrogatório judicial, admitiu que contratou Carlos Santos Silva, o empresário amigo de Sócrates que também é arguido no mesmo processo, para o assessorar no Grupo Lena, e que nessa altura terá assinado papéis em branco que poderão ter sido usados para outros fins, nomeadamente para abrir essas contas que desconhece. A defesa do empresário alega mesmo que este não faz ideia dos valores que essas contas movimentaram, que nem conhece Ricardo Salgado, Armando Vara, Hélder Bataglia ou o primo de José Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa.

Para Castanheira Neves, a acusação sustenta-se “numa falácia”, porque o MP partiu da ideia de que o Grupo Lena estava envolvido em crimes de corrupção e “tentou prová-lo”. Mesmo na questão da internacionalização dos negócios, o advogado garante e diz que ficou provado que o Grupo Lena não precisou do Governo de Sócrates. De acordo com o advogado, essas provas foram entregues, mas o MP não as valorizou, porque em 2007 já o grupo tinha dezenas de obras no Brasil e tinha facturado 37 milhões de euros. Diz ainda que em alguns países, onde o MP diz que pode ter ocorrido favorecimento do Governo de Sócrates para o Grupo Lena conseguir negócios, as empresas até tiveram prejuízos. “No Brasil não houve obra pública e a Venezuela até causou prejuízos”, garantiu.

“Não há prova de que José Paulo disponibilizou a José Sócrates um cêntimo”, diz advogado

À defesa de Joaquim Barroca seguiu-se a de José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates. O principal argumento do advogado João Costa Andrade perante o juiz Ivo Rosa a quem pediu para que o seu cliente não fosse levado a julgamento, foi o de que na acusação não há uma única prova de que o seu cliente sabia a origem do dinheiro que o Ministério Público diz que seria do antigo primeiro-ministro e que resultava de alegados pagamentos para favorecer terceiros. “Não há prova de que José Paulo disponibilizou a José Sócrates um cêntimo. Há zero elementos probatórios de que José Paulo deu dinheiro a José Sócrates.”

De acordo com João Costa Andrade, o dinheiro que estava e circulou nas contas de José Paulo Pinto de Sousa era seu e não do primo e resultou de negócios que fez ao longo dos anos. Recorde-se que, segundo a acusação, José Paulo Pinto de Sousa terá conhecido o empresário Carlos Santos Silva através de Sócrates e que terá sido por isso que aceitou que as suas contas na Suíça, em nome de sociedades offshore, fossem utilizadas para movimentar dinheiro com origem ilícita e que se destinava ao antigo primeiro-ministro. Factos estes que o MP diz que ocorreram entre 2000 e 2007.

O primo de José Sócrates está acusado de dois crimes de branqueamento de capitais, em co-autoria com José Sócrates, Ricardo Salgado, Hélder Bataglia e Carlos Santos Silva. Segundo o MP, José Paulo Pinto de Sousa terá entregado nove milhões de euros ao antigo primeiro-ministro através de várias contas offshore. Imputações que a defesa nega e que alega que não há provas na acusação.

João Costa Andrade começou as alegações com duras críticas a Carlos Alexandre, juiz que validou a investigação da Operação Marquês, tendo chegado mesmo a afirmar que se o juiz fosse outro não se tinha chegado à fase de instrução sequer. De acordo com o advogado, o Tribunal Central de Instrução Criminal  (TCIC) “devia mudar de nome” : devia passar a chamar-se “Tribunal do Carlos de Instrução Criminal, Sociedade Unipessoal”.

 “O que se esconde nas sombras dos tribunais portugueses hoje é perigosíssimo”, rematou. Sem dizer o nome do juiz, disse que este trabalhava em equipa com determinados procuradores do Ministério Público. Basta fazer “o exercício de perceber a quem se distribui um processo de acordo com a origem”, insinuou João Costa Andrade, acrescentando que de nada vale “lutar para que a distribuição do processo seja limpa”, porque “sabemos do que ali vem”. Já “deste juiz”, referindo-se a Ivo Rosa, “entramos no filme Eyes Wide Shut”.

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