Erro na colocação de cabos nas asas provocou acidente com o avião da Air Astana

Investigação detecta lacunas na qualidade dos serviços das OGMA e falhas ao nível da supervisão interna das operações de manutenção.

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Avião aterrou de emergência em Beja Nuno Veiga/Lusa

A investigação ao acidente com o avião da Air Astana que em Novembro de 2018 aterrou de emergência no aeroporto de Beja, depois de ter perdido o controlo após a descolagem em Alverca, concluiu que “o sistema de comando dos ailerons da aeronave foi incorrectamente instalado durante a execução dos trabalhos de manutenção pesada”, o que afectou a controlabilidade da aeronave.

Os ailerons são uma parte móvel das asas que permite ao avião voltar para a esquerda e para a direita. A forma errada como os cabos que os movimentam foram colocados durante as operações de manutenção nas oficinas de Alverca tornaram a aeronave incontrolável. Na prática, quando o piloto tentava voltar para a direita, o avião voltava para a esquerda e vice-versa. Algo semelhante a tentar conduzir um automóvel a grande velocidade, mas com o volante invertido.

O relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) refere, no entanto, outros factores que contribuíram para o acidente. Entre eles o “deficiente funcionamento do sistema da qualidade” das OGMA, falhas no sistema de supervisão da produção e “falta de equipas de manutenção devidamente geridas e organizadas por competências e especialidades, com o treino e experiência necessários”.

Ou seja, para além do erro concreto na colocação dos cabos, foram identificados problemas de gestão naquela que é uma das principais empresas aeronáuticas do país. “Os dados dos últimos anos demonstram uma alta rotatividade de pessoal associada a frequentes mudanças organizacionais, o que, segundo a opinião dos gestores do negócio, tem prejudicado as OGMA na retenção do conhecimento técnico”, diz o relatório.

Na lista dos factores que foram causas indirectas do acidente os peritos do GPIAAF referem também a falta de instruções de manutenção claras pelo fabricante da aeronave (a Embraer) para possibilitar a detecção da configuração incorrecta da aeronave e a deficiente supervisão da organização de manutenção pelo operador (Air Astana).

Mergulhos e subidas a pique

O relatório explica em pormenor como o problema dos cabos incorrectamente colocados se traduziu em avisos de não conformidade no computador de bordo do avião e as tentativas de correcção do erro que levou, inclusive, à vinda de um técnico da Embraer da Holanda para ajudar a resolver o problema. Problema que, ao contrário do que se julgou, afinal não ficou resolvido.

O certo é que no dia 11 de Novembro de 2018, o avião foi recepcionado pela tripulação vinda do Cazaquistão para o levar a Almaty e sem que tivesse sido previamente realizado um voo de ensaio após a manutenção pesada.

O voo KC1388 descolou de Alverca às 13h31, levando a bordo três tripulantes (o comandante e dois copilotos) e três técnicos da Air Astana. E bastou um minuto para que o caos se instalasse: o avião ficou incontrolável, com mergulhos a pique e subidas também a pique, a tal ponto que, julgando-o perdido o comandante pediu um rota directa para o mar ou para o estuário do Tejo a fim de amarar o aparelho com um mínimo de danos para as populações.

Tal não aconteceu porque não foi possível seguir qualquer rota. O Embraer acabaria por dirigir-se, de forma errática, para noroeste saindo assim do tecto de nuvens e da chuva miudinha que cobria a região de Lisboa e possibilitando a visualização do terreno por parte da tripulação.

Nervos de aço da tripulação

O relatório refere que, “com uma estratégia de aprendizagem por tentativa e erro”, os tripulantes conseguiram ganhar algum controlo sobre a aeronave e iniciar uma rota para o aeroporto de Beja para tentar uma aterragem de emergência. Nesta altura uma parelha de caças F-16 da Força Aérea Portuguesa juntou-se ao avião em dificuldades e ajudaram no seu guiamento até ao aeroporto alentejano onde este só conseguiu aterrar à terceira tentativa.

O documento tece um elogio implícito aos três tripulantes da Air Astana e em particular ao seu comandante para quem “a sua experiência de voo e determinação na busca de soluções foram factores decisivos para o desfecho do evento”.

Para analisar os registos de voz do cockpit, os investigadores do GPIAAF recorreram ao Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Infraestruturas da República do Cazaquistão para interpretar as conversações da tripulação em língua cazaque e russa, tendo concluído que “a emergência foi gerida com relativa calma e mantido um fluxo de informação entre todos os ocupantes da aeronave”.

Nervos de aço e profissionalismo ditaram, assim, um final feliz a uma situação que a dado momento se revelou caótica e catastrófica pois o avião foi sujeitos a forças G (forças gravitacionais) brutais, como provou depois a inspecção dos peritos no aeroporto de Beja. Foram, aliás, esses danos que levou a equipa do GPIAAF a alterar a classificação inicial de “incidente grave” para “acidente”. O Embraer da Air Astana não voltará a voar.

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