O maior fosso do mundo

“Mas quando é que eu volto a ver os meus pais?”, perguntei. Estaremos presos? Vítimas de má sorte ou apenas vítimas do medo? Um pouco dos dois, e portanto fecha os olhos, não há coragem sem medo e é preciso muita coragem para dizer medo.

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Nelson Garrido

Este Verão não vou abraçar ninguém, não vou estar com ninguém, não vou ver ninguém, ou talvez veja, mas só se for por acaso e por acaso acenar à distância, não vá um dos dois ceder à tentação fatal da proximidade.

E tão menos irei à praia onde está toda a gente e uma praia não é praia se não tiver gente. Mas talvez passe por lá o meu olhar e com os lábios saboreie todo o sal, como se me despedisse, adeus, como se não voltasse, talvez não volte.

E nem um mergulho para amostra, a água pode esperar mais um ano, basta-me vê-la, ainda sei onde te encontrar. E bastam-me as ondas e o sol a desenhar-me a pele, este ano estou só de passagem, quem sabe para o ano, perdido em ti e os horizontes tão longe da vista. 

Mas já é bom vir e ainda melhor chegar quando nem réstia de esperança havia em partir. Condenados, desterrados, deixámos de acreditar, voar só em sonhos e Portugal também, tão distante, de repente inalcançável, para sempre. Se calhar era melhor não partir, a viagem de regresso uma incógnita e se não regressar não sei se quero não regressar, desta vez não. Temos a vida em jogo, o futuro em jogo e já a nossa conta de dados lançados tantas vezes, tantas vezes de alea jacta est em alea jacta est e se ainda aqui estamos não queremos deitar tudo a perder.

“Mas quando é que eu volto a ver os meus pais?”, perguntei. Estaremos presos? Vítimas de má sorte ou apenas vítimas do medo? Um pouco dos dois, e portanto fecha os olhos, não há coragem sem medo e é preciso muita coragem para dizer medo. 

Fechámos os olhos, batemos os calcanhares e atirámo-nos de cabeça para dentro do avião, batemos as asas e voámos.

Apesar de tudo e de volta a casa, a distância, os pais à porta e eu na rua, nua, sem beijos nem abraços entre lágrimas de alegria e tristeza sem saber se a vida é isto, incapaz de aceitar, processar, pensar.

Eu só queria voltar a casa e aqui está, a casa a dois metros de distância e o maior fosso do mundo tem apenas dois metros de distância e leva duas semanas a atravessar.

Prefiro acampar na rua para vos poder ver todos os dias, para vos saber bem. E atravessar a ponte dos dias ao vosso lado. Não se preocupem com comida ou dormida, eu cá me arranjo, já me arranjei, o espaço não é muito mas o amor é tão grande e a recompensa no fim deste arco-íris que é esta vida ainda maior.

Mesmo se no fim são poucos os dias de sobra, areia por entre os dedos, já não vejo a areia há tanto tempo, não me importo de esperar.

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