Da irresponsabilidade

A falta de cultura cívica parece imperar. Só que essa falta de cultura cívica conduz muitos à doença e à morte.

“E assim como Deus e, com mais forte razão Satã, está em toda a parte, não ocorre pensar que Um e o outro se encontrem lado a lado na mesma alma do homem? Cada um de nós teria assim dois hóspedes invisíveis: o Eterno Amor e o Eterno Ódio, cada coração é campo de batalha dos dois Antagonistas. Mas uma tal coabitação de opostos, em toda a parte do Universo, é pensável, é possível?” 
Giovanni Papini, O Diabo

Nestes tempos pelos quais nunca pensámos passar, revela-se o pior e o melhor e estou a referir-me, em concreto, às várias actuações perante a nova pandemia que nos apunhala no dia-a-dia.

Na realidade, há muita irresponsabilidade e desrespeito para com o Outro. Mas se o respeito já não abunda em geral, no presente caso reveste-se de uma grande gravidade.

Quem se desloca para o seu local de trabalho ou para outros locais, não raro constata tantos e tantos sem qualquer respeito para com o outro: sem uma simples máscara, sem obediência às responsabilidades que as autoridades de saúde pública impõem. E se as autoridades de saúde revelaram inicialmente um total desnorte, ultimamente há que reconhecer que corrigiram a rota e com resultados.

Bastaram, porém, uns quantos, que sem qualquer pingo de senso não só põem em causa o insano trabalho dos profissionais de saúde mas revelam um completo desprezo pela comunidade. A falta de cultura cívica parece imperar. Só que essa falta de cultura cívica conduz muitos à doença e à morte.

A resposta à falta de civismo só pode ser aquela que o Governo veio dar, designadamente impondo maiores restrições em algumas zonas da Grande Lisboa. Ponto é que exista a fiscalização e respeito pelas autoridades.

O primeiro-ministro tem razão quando afirma que a melhor forma de solidariedade passa por todos cumprirem as regras para evitar a propagação da covid-19. Mas tem de ter uma postura exemplar, no sentido próprio de exemplo...

Continuando a insistir na questão do civismo, os que participam em festas ilegais, ajuntamentos outros e os que não respeitam regras de protecção alheias mas também próprias, são tão irresponsáveis quanto são responsáveis por infecções e eventuais mortes. Bem poderiam alegar inconsciência, o que seria difícil, face à informação disponível.

É isso mesmo e digo-o directamente: os irresponsáveis são culpados, repito, culpados, por alegadas mortes e infecções, algumas com consequências para toda a vida.

Com estes não se devem confundir os que por ignorância da sua condição de saúde arriscam o trabalho diário em transportes sem quaisquer condições, como sem condições são os lugares onde tantos habitam.

Mas convém sublinhar que se o Governo esteve bem nas restrições impostas, não esteve nada bem – até porque contraditório – em autorizações como a da Liga dos Campeões, de manifestações, etc. E defender uma coisa e o seu contrário não é o melhor exemplo... pode mesmo gerar mensagens erradas.

Eu sou cidadã. Não aceito que abram excepções graves que a todos prejudicarão, excepções essas dirigidas aos impulsos mais primários.

Perante tudo o que vai exposto veremos quem é responsável e irresponsável e a quem e como devem ser assacadas responsabilidades.

Se há quem possa viver com Deus e o diabo em questões como aquela que nos ocupa, há quem não. Dispenso a coabitação.

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