Neste São João triste, há que “manter o espírito” no Porto

Apesar do cancelamento dos festejos de São João no Porto, o espírito ainda se mantém vivo pelas ruas, numa tentativa de “preservar a tradição”. E as famílias e amigos celebram em pequenos grupos, cumprindo as regras.

covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
Rua
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
,Carro
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria
covid19,festas,festas-populares,local,sao-joao,porto,
Fotogaleria

Seria ponto de encontro para os tripeiros nesta noite de São João. Mas às seis da tarde, são poucos os portuenses que se reúnem nas Fontainhas – em qualquer outro ano, haveria a cascata e a promessa de festa na rua. Mas, apesar das celebrações canceladas, ainda se vêem duas meninas a brincar com os seus martelos enquanto correm. Sente-se o cheiro a sardinha vindo de um assador. E, mais ao longe, virado para o rio Douro, está Carlos Nelson, “tripeiro de gema” que declama um poema de Augusto José Leão.

“Cidade, toda granito/ De casarios diversos/ Cascata de São João”. Em tempos vendedor ambulante, Carlos contempla o rio e lamenta um São João “tão triste como este”. Os cafés terão de fechar às 19h e, pela primeira vez desde que se lembram, proprietários e funcionários terão de celebrar em casa, muito longe da folia e do fogo-de-artifício que, nas Fontainhas, ganhava um outro fulgor.

Na longa rua de São Victor, os preparativos já começaram, mas nada que se compare aos anos anteriores. Na ilha do Sr. Doutor, José Castelo exibe a cascata que monta todos os anos, elogiando os desenhos que os netos deixaram nas paredes, especialmente o São João e o seu carneiro, que a neta de catorze anos concebeu com as suas próprias mãos. Vai ser um ano diferente - nesta noite de São João, José não vai deixar a porta aberta. Em circunstâncias normais, qualquer um seria bem-vindo para beber um copo e comer uma sardinha. “Hoje não vai acontecer isso”, desabafa José – a festa fica limitada aos vizinhos, que se juntarão no quintal para assar sardinhas e preparar o carneiro. É a primeira vez que tal acontece na história desta ilha que já viu tantas festas de São João, sempre cheias de povo e alegria. 

Mas há quem não deixe o espírito esmorecer – é o caso de Inácio Teixeira Vieira, que, com a ajuda da vizinha Augusta Maria e do seu filho Bruno, sobe a um escadote para pendurar grinaldas na ilha onde moram. “Este ano, o São João é muito foleiro”, comenta Inácio, mas apressa-se longo a emendar: “Mas o São João tem de se manter sempre”. A música começa a tocar desde cedo e, apesar de não haver bailarico, há que “preservar a tradição”. “Pode ser que para o ano seja melhor”, diz, esperançoso, João Marques, também vizinho de Inácio. 

Foto
A ponte D. Luís foi fechada Paulo PImenta

Ainda na rua de São Víctor, numa ilha decorada com balões e manjericos, Maria Teresa recorda o São João da sua infância – à meia-noite era tradição comprar pão fresco para comê-lo com manteiga e café - “mas isto já lá vai há muitos anos”, acrescenta com saudades. José Castelo conta a mesma história - a festa de São João foi-se adaptando com os tempos, até mesmo o hábito de comer sardinhas é “uma tradição recente”, comenta, cantarolando velhas cantigas: “Orvalhadas, orvalhadas em cima do muro – vamos ao pão quente e ao vinho maduro​!”.

Enquanto a cidade se agarra aos poucos resquícios que nestes tempos se permitem ao São João, Teresa de Jesus, vendedora de alho porro na praça da Alegria, suspira: “Aqui parece que nem passa um gato morto”. Ainda ninguém apareceu para comprar e a vendedora nem conta celebrar a festa.

Mas pelas ruas da Ribeira, ainda há quem acredite que o São João se mantém bem vivo, como é o caso de seis jovens que apanham sol no paredão, aproveitando o final de tarde. Estarão juntos durante a noite e farão a festa em casa. E a festa, para alguns, já começou, como é o caso das famílias Tavares e Alves, moradores da Ribeira, que já estão sentadas à mesa, a comer sardinhas, broa e pimento. “Isto é um espectáculo, não há festa igual!”, exclama Fernanda enquanto serve os seus familiares, “Mantemos o espírito, Deus me livre!”. Claro que nem todos conseguem manter o ânimo desta mulher espevitada – no meio da confusão da família de nove pessoas, alguns queixam-se: “Isto é muito triste. Esperamos o ano inteiro por este dia, é uma pena”.

É triste, sim. Não haverá fogo-de-artifício a iluminar o Douro, nem festarola pelas ilhas adentro, mas serão poucos os portuenses que não comerão sardinha. Há uma nota de perda e tristeza no ar,  porém, nas palavras de Fernanda Tavares, “não há como a gente do Norte” para “celebrar como se pode”.

Texto editado por Ana Fernandes

Sugerir correcção