Um terço das passadeiras junto do Curry Cabral não permite travessia em segurança aos idosos

Estudo avaliou se o tempo atribuído à travessia de peões nas passadeiras semaforizadas entre o Hospital de Curry Cabral e os transportes públicos locais é suficiente para que a travessia dos idosos seja feita em segurança. Conclusões indicam que legislação destinada aos cidadãos com mobilidade condicionada não está a ser cumprida.

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ADRIANO MIRANDA / ARQUIVO

Para quem é mais velho ou tem dificuldades de locomoção atravessar uma passadeira com um semáforo é, por diversas vezes, uma corrida em contra-relógio. Foi a pensar nestas pessoas que uma equipa de médicos do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) quis avaliar se o tempo atribuído à travessia de peões nas passadeiras semaforizadas entre o Hospital de Curry Cabral e os transportes públicos locais seria suficiente para permitir a travessia de idosos em segurança. A conclusão acabou por confirmar a percepção que já tinham: mais de um terço das passadeiras com semáforo em redor do hospital não cumpre a legislação portuguesa destinada aos cidadãos com mobilidade condicionada, exigindo assim velocidades de marcha superiores a 0,4 metros por segundo (m/s), conclui um estudo publicado na edição de Junho da revista Acta Médica Portuguesa.

O estudo, concluído em 2019, foi feito com a colaboração de 100 idosos, residentes na Grande Lisboa e com uma média de idades de 75 anos. São seguidos em consulta externa de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) no Curry Cabral e capazes de caminhar de forma autónoma, com ou sem auxiliar de marcha — 29 utilizavam bengalas ou canadianas —, e de deslocar-se dez metros sem interrupções. Foi assim calculada a velocidade que necessitam para percorrer esta distância, em diferentes tipos de piso e a diferentes ritmos.

A par das medições da velocidade de marcha dos utentes, foram analisados os tempos de abertura dos semáforos de 26 passadeiras, ao redor das três entradas do hospital — Rua da Beneficência, Hotel Zurique e Hotel HolidayInn — em nove percursos até aos transportes públicos locais. 

“Ainda temos muitos idosos prisioneiros em casa” 

Segundo se lê no estudo, a velocidade de marcha média do peão varia entre 1 e 1,2 m/s. No caso destes utentes, mais velhos, o valor situou-se nos 0,81 m/s. Já a velocidade média de marcha máxima, que envolveu um maior esforço, foi de 0,95 m/s. Entre os 100 doentes da amostra, apenas dois caminharam abaixo dos 0,4 m/s em marcha normal, e em apenas um doente, quando em marcha máxima.

Entre a centena de idosos estudados, 65 são utilizadores de transporte público, seja autocarro, metro, comboio ou táxi. São também bastante activos, já que 75 disseram sair de casa cinco ou mais vezes por semana, percorrendo trajectos onde têm de atravessar passadeiras semaforizadas. Mas nem sempre o tempo que o semáforo permanece aberto é suficiente: 31 utentes consideraram-no escasso para atravessar a passadeira em segurança. Ainda assim, “apenas sete desses doentes reportaram que isso os desencorajava de deambular na via pública”, refere o estudo. 

O estudo concluiu que os doentes conseguiram atravessar em segurança 17 passadeiras (65%), representando as restantes nove “um obstáculo” para estes idosos. Porque é que isto acontece?
Porque a legislação destinada aos cidadãos de mobilidade condicionada (decreto-lei 163/2006), que estipula que o sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia dos peões a uma velocidade de 0,4 m/s não está a ser cumprida, notam os autores. 

“Ainda temos muitos idosos prisioneiros em casa precisamente porque não têm um percurso onde podem passear. E para mim é tão dramático que um idoso não consiga chegar ao hospital como um idoso que não consiga chegar ao jardim ou ao café”, nota o responsável da Especialidade de Medicina Física e de Reabilitação – Área Músculo-esquelética do CHLC, Pedro Soares Branco, que é também um dos autores do estudo, juntamente com Sílvia Boaventura, Jorge Rodrigues, Teresa Plancha, Mariana Martins, Marta Silva, Vítor Brás da Silva e Luís Horta. 

Será caso para dizer que esta cidade não é para velhos? Não só para os mais velhos, mas também para quem enfrenta problemas de locomoção, uma vez que o incumprimento nos tempos de atravessamento pode aumentar “a probabilidade de acidentes e o sentimento de insegurança na via pública”, notam os autores. 

“O caso mais flagrante é numa das passadeiras, situada na Avenida dos Combatentes, que exige uma velocidade de marcha mínima de 2,17 m/s (mais de cinco vezes superior à velocidade definida na legislação para cidadãos de mobilidade condicionada), sendo esta velocidade inadequada para pessoas que, devido à sua idade ou patologia, não consigam andar em marcha acelerada”, conclui o estudo. 

Além disso, repara Pedro Soares Branco, a velocidade de marcha dos idosos foi avaliada em condições óptimas de tranquilidade, num percurso resguardado, com um médico ao pé. “O stress de um idoso a passar com o barulho do trânsito, com as pessoas a passar por ele, os carros a buzinar... É provável que a velocidade de marcha ainda diminua por causa da complexidade motora da tarefa”, ressalva.

Para o médico, “era importante que a Câmara de Lisboa assegurasse que os seus semáforos cumprem a lei”. Se a legislação estivesse a ser cumprida, “99% da amostra teria conseguido atravessar as passadeiras em segurança”. “Nunca nenhum semáforo vai garantir que toda a gente passa em segurança, porque há pessoas que têm uma velocidade de marcha tão lenta que é impossível assegurar que o trânsito flua e, por isso, vão sempre precisar de algum tipo de assistência especial. Mas 99% da população é muito diferente de 65%”, nota Pedro Soares Branco.

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