O Ensino@Distância não foi um sucesso

Este ensino à distância foi um remendo necessário, mas está longe de ser uma solução brilhante. Considero que muitos alunos não só não evoluíram como, bem pior, regrediram. De modo algum o volume de tarefas se traduziu em aprendizagens concretas e sólidas.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Estão a terminar as aulas a que pomposamente, e para dar um ar de que a malta facilmente domina estas coisas da tecnologia, chamamos Ensino@Distância (acho o pormenor da arroba delicioso). Podemos afirmar que a maioria de nós saiu viva deste período de tempo interminável em que se arrastou o fim do segundo e o terceiro períodos. Sim, porque o ensino à distância (ou deverei dizer “a distância”?) teve o seu início nos últimos 15 dias do segundo período. Contudo, “ficou-me cá a parecer” que o senhor ministro da Educação não acreditou muito nas suas próprias palavras (relembro a afirmação peremptória do senhor ministro: “Ninguém está de férias”) e vai daí decidimos alargar o terceiro período e o ano lectivo, fazendo-o terminar precisamente 15 dias depois do que era previsto. Este aumento de 15 dias teve algum resultado positivo? Sou da opinião que não.

Efectivamente, terá sido neste 15 dias a mais que os alunos terão realizado todas as aprendizagens que ainda estavam pendentes? Obviamente, não. Penso que ninguém se terá lembrado, naquelas altas instâncias, que é precisamente no terceiro período que se costuma desenvolver uma maior quantidade de actividades lúdicas devido ao clima de cansaço e saturação que já se vive no meio escolar por essa altura. Mas, claro, este ano é um ano atípico (a frase que mais ouvimos ultimamente) e, por isso, vá de prolongar aquilo que para todos já é um suplício.

Contudo, o que importa no meio disto tudo é que o ano lectivo está a terminar e há que olhar para trás e pensar um pouco sobre como correu todo este Ensino@Distância. Aquilo que vou ouvindo, por aqui e por ali, é que foi um sucesso. E não, não poderei dizer o contrário. Foi um sucesso porque os alunos não ficaram um só dia desocupados e sem aulas. Um sucesso porque rapidamente os professores se muniram da sua força de vontade e da sua capacidade de trabalho para colocar em andamento uma escola a que poucos estavam habituados. Um sucesso, e aqui só posso falar no meu caso, porque se conseguiu suprir, em tempo recorde, a falta de equipamento que alguns alunos tinham — e sei que não aconteceu assim em todos os agrupamentos. Um sucesso porque se conseguiu que os alunos mantivessem uma rotina de trabalho em casa, se mantivessem activos, o que lhes proporcionou, tanto quanto possível, um clima de relativa normalidade (que era importante manter).

Mas o sucesso, relativo, ficar-se-á por aqui. Desculpem a sinceridade da questão, mas tenho de a colocar: alguém acredita mesmo que se realizaram aprendizagens nestes meses?

Se a pergunta me for colocada a mim posso dizer que sim, aprendi muito — e não, não falo das aprendizagens que realizei ao nível informático, que também foram muitas!

Digo-vos que aprendi imenso sobre as vidas pessoais dos meus alunos. Entrei pelas casas adentro de alguns que não tiveram qualquer pejo em mostrá-las: alguns trabalhavam nos seus quartos, sim, alguns poucos num escritório, e outros tantos em salas de estar e cozinhas. Aprendi a trabalhar com os meus alunos enquanto ouvia a Cristina Ferreira em som de fundo (que tenho neste momento certeza que deve ser dos programas mais vistos pela manhã). Aprendi também que muitos pais não perceberam que, de facto, os seus filhos estavam numa sala de aula, ainda que virtual. Como tal, assisti a discussões entre adultos que preferia não ter visto nem ouvido, sentindo-me a assistir a um verdadeiro Big Brother.

Percebi que o uso de “linguagem colorida” é apanágio não só de alguns dos meus alunos e que a mesma é usada por alguns adultos que com eles convivem, usando-a sem qualquer preocupação com aqueles que possam estar a ouvir (por exemplo, o professor).

Aprendi, sobretudo, que entrámos de tal forma pela casa dos nossos alunos que tanto eles como os pais passaram a perceber-nos como mais um elemento da família. Talvez por isso tenha assistido a linguagens coloridas ou à interrupção de aulas por encarregados de educação que queriam aproveitar para esclarecer uma dúvida com o professor (sim, isso aconteceu!). Talvez por isso tenha tido alunos que “entraram” na minha aula confortavelmente instalados na sua cama, ainda envergando um pijama ou comendo bolachas como se não houvesse amanhã. Talvez por isso tenha tido alunos que consideravam que qualquer altura era boa para se levantar, ir à casa-de-banho ou responder a alguma pergunta que lhes tivesse sido feita1 por um dos pais. Quando olho para trás penso que passei tanto tempo a trabalhar com os meus alunos como a dar sermões sobre ser e estar…

Aprendi, por fim, que tenho de me preocupar com o direito à imagem dos meus alunos e que, por isso, eles têm o direito de estar na minha aula com câmara desligada. E, por isso, percebi algumas vezes que tinha estado a falar para o vazio porque o aluno se tinha ausentado momentaneamente ou porque o aluno estava, pura e simplesmente, preocupado em realizar outra tarefa enquanto estava na minha aula.

E os alunos? O que aprenderam?

Aprenderam que todas as semanas se iniciam com uma infinidade de “tarefas para realizar”. Aprenderam a deitar mão ao chico-espertismo que nos caracteriza (nós, portugueses) e desenvolveram formas de resolver o quanto antes as tarefas propostas: solicitar ajuda (como quem diz, “resolve tu”) a professores de apoio, a explicadores ou aos próprios pais. Outros, sem essa possível ajuda, recorreram à ajuda entre pares: “Tu fazes a tarefa de inglês, eu faço a tarefa de francês”. No fim de tudo, o que lhes interessava era realizar as tarefas. E, acima de tudo, aprenderam que, se tivessem uma câmara desligada, poderiam estar sem estar, ouvir sem ouvir, cumprir sem realmente necessitar de cumprir. Aprendizagens efectivas? Atrevo-me a dizer que poucas (é claro que haverá honrosas excepções).

No fim de todo este lençol de “aprendizagens”, o que posso concluir? Concluo que este ensino à distância foi um remendo necessário, mas está longe de ser uma solução brilhante. Considero que muitos alunos não só não evoluíram como, bem pior, regrediram. De modo algum o volume de tarefas se traduziu em aprendizagens concretas e sólidas. A preocupação maior não foi aprender, mas cumprir com o que lhes era solicitado em cada semana.

Concluo, por fim, que todos os professores deram o que tinham, e provavelmente o que não tinham, para levar este barco a bom porto. Contudo, a educação à distância não foi nem será uma solução viável para o ensino de crianças e jovens. Esta experiência (obrigatória) quanto a mim não só falhou como levou todos os seus intervenientes — alunos, professores e encarregados de educação — à exaustão e a uma vontade de não repetir a experiência tão depressa.

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