Covid-19: A hora dos impostos sobre o digital?

Por que é que uns pagam tanto e outros, logo os que mais ganham, tão pouco? Nos dias do lay-off, há uma larga franja da população que não pode ser chamada a contribuir.

Os tempos da covid-19 são de ansiedade e incerteza. Ilustremos: ninguém está em condições de garantir que o “grande confinamento” não se repetirá, em versão mini ou XL. Mas, no meio da turbulência, também já temos algumas certezas. Uma delas é a de que as medidas de apoio à economia pós-pandemia implicam um agravamento severo das contas públicas. Sem ingenuidade, há que reconhecer que a fatura dos apoios chegará, e grande parte dela sob a forma de impostos. Porém, este texto é sobre oportunidades fiscais.

Muito se falou de digitalização nos últimos três meses. É uma boa altura para pregar que a grande indústria digital paga manifestamente poucos impostos – ou seja, contribui menos para o esforço que todos fazemos para custear as despesas da nossa vida em comunidade. Veja-se: um dos maiores sites de vendas globais obteve receitas na Europa de 21 mil milhões de euros em 2016. Sobre estas, pagou menos de 0,1% de imposto sobre o rendimento. A Comissão Europeia (CE) nota, ainda, que os grupos multinacionais altamente digitalizados pagam, em média, 9,5% de imposto sobre o rendimento; os concorrentes tradicionais, 23,2%.

Bem sabemos que a receita não é o lucro, mas a desproporção de valores sugere que algo não está bem. Salta à vista uma questão elementar de justiça: por que é que uns pagam tanto e outros, logo os que mais ganham, tão pouco? Nos dias do lay-off, há uma larga franja da população que não pode ser chamada a contribuir mais para o esforço coletivo porque não tem como o fazer. É fundamental que o peso dos impostos portugueses seja suportado por mais ombros.

A indústria digital (ou a digitalização da indústria) também interessa a Portugal e aos seus empresários enquanto novos mares a navegar. Só que a baixa tributação da grande economia digital alimenta um enorme problema de competitividade. As novas empresas do sector, muitas assentes em pessoas talentosas e ideias úteis para todos, não têm as mesmas armas para entrar num mercado dominado por gigantes estabelecidos. Por exemplo: a Tile, empresa de localização de objetos por bluetooth, alega que a sua app é bloqueada em telemóveis de uma marca que tem o seu próprio produto concorrente.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico deveria chegar a uma conclusão sobre a criação de novas regras internacionais para tributar de forma efetiva a economia digital até ao final de 2020. Não acontecerá. Esta semana, os EUA explicitaram a oposição a todo este processo e anunciaram possíveis sanções contra Estados que adotem impostos que afetem os seus campeões deste sector (leia-se FAANG: Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google). A CE planeia iniciativas próprias, e poderá implementar algumas no âmbito do funcionamento do Fundo de Recuperação Económica pós-COVID. A neutralidade não é opção. Pelos motivos acima, é um bom momento para Portugal promover a justa tributação do digital por mecanismos de imposto tradicionais ou criados para o efeito — a necessidade aguça o engenho.

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