Pequena consideração sobre a obra metropolitana de Raul Lino

A obra metropolitana de Lino é assim composta por uma imensa heterogeneidade, fruto do longo espaço-tempo que abarca.

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Casa Montsalvat FTX Fabio Teixeira

Naturalmente, interessa salientar a artificialidade desta composição. Ao longo da longuíssima vida do arquitecto Raul Lino (1879-1974), a sua obra metropolitana é marcada por mutações estéticas e compositivas bastante evidentes, mas também a localização destas criações é dispersa, fruto da também orgânica evolução da cidade, enquanto obra de arte ela própria.

A criação de habitações unifamiliares é marcada, no início do século, pela estética definida inicialmente por Lino para as suas casas cascalenses, muito na linha da fusão fin de siécle da arte nova germano-austríaca com o arts & crafts de cariz Baillie Scott. Disso é exemplificativa a sua obra na Avenida Fontes Pereira de Melo, demolida em 1970, destacável pelo tratamento estético Arte Nova da cantaria, num vocabulário vegetalista comparável à aplicação azulejar de Montsalvat ou da própria produção de artes decorativas do arquitecto no mesmo período.

A continuação desta criação exclusiva de vivendas para um contexto urbano, independentemente da sua localização em Lisboa, até 1928, é bastante exemplificativa do pensamento anti-urbano de Lino, enquanto recusa da massificação de construção predial em cidade em detrimento da construção unifamiliar, coerente com a sua base educativa, solidificada pelos ideais neomedievais dos movimentos fin de siécle já mencionados.

A modernidade no vocabulário estético estará, no entanto, aplicada a todas as tipologias de edificação entre os anos 30 e 40, salientando-se o projecto nunca edificado do prédio para o número 175 da Avenida da Liberdade, criado em 1944, que, segundo a documentação, teve que ter a sua cércea reduzida por constrangimento jurídico camarário, o que é bem exemplificativo da ambição criativa edificatória de Lino, quando se lhe propiciava liberdade criativa.

Lino demonstra complexificação nestes casos, cruzando referentes da modernidade sua contemporânea a uma modernidade pessoal heterogénea, imensamente mutável e adaptável à sua função. Será assim necessário salientar a habitação unifamiliar criada para si próprio, em 1939, na Rua Feio de Terenas, que demonstra uma aproximação evidente a um vocabulário “ornamento e crime” de Adolf Loos e um afastamento radical do que o próprio chamará em 1933 de “chuvada de beiralinhos, azulejos, pilaretes e alpendróides”.

As habitações geminadas criadas em 1938 para o Bairro das Casas Económicas das Terras do Forno demonstram também um conhecimento profundo da restante produção europeia deste tipo de bairros, podendo ser directamente comparada à Colónia Torten, em Dessau, da autoria de Walter Gropius, de 1928. Aqui, tal como nas Terras do Forno, a necessidade de habitação social levou à encomenda estatal de moradias padronizadas, simples na concepção e concretização por uma questão económica, de lógica fordiana, que permitissem a sua aquisição por famílias de classes mais baixas.

A obra metropolitana de Lino é assim composta por uma imensa heterogeneidade, fruto do longo espaço-tempo que abarca, composta por grandes e pequenos projectos, de grande e pequena relevância, onde no seu artificial conjunto podemos absorver a vida de um criador e observar a evolução ao longo de setenta anos de uma metrópole europeia.

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