Cultura machista é entrave ao desenvolvimento da Guiné-Bissau

A historiadora e deputada Joacine Katar Moreira publicou uma tese de doutoramento sobre a “cultura de matchundadi” que domina a sociedade e a política guineense, onde não há uma luta pelo poder, mas uma luta pelos recursos, como os do tráfico da droga.

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"O excessivo ambiente de competição permanente origina a que os indivíduos entrem numa lógica de absoluta violência", diz Joacine Katar Moreira daniel rocha

Na Guiné-Bissau a cultura machista entrava o desenvolvimento do país, transforma a política numa luta violenta pelos recursos e torna os adversários políticos em “inimigos a abater”. Para Joacine Katar Moreira, que acaba de publicar a sua tese de doutoramento sobre o tema, a luta pelo poder é essencialmente uma luta pelos recursos, “na qual os indivíduos em vez de servirem o Estado, servem-se do Estado”.

A tese da historiadora luso-guineense, deputada no Parlamento português, intitulada A cultura da matchundadi na Guiné-Bissau: género, violências e instabilidade política, procura demonstrar como este machismo impregnado na sociedade “é um entrave sucessivo ao desenvolvimento do país”, como referiu à Lusa, porque transforma tudo numa “competição permanente”.

“O excessivo ambiente de competição permanente origina a que os indivíduos entrem numa lógica de absoluta violência, a violência necessária com base nas masculinidades hegemónicas, que originará que ele tome o poder”, explicou a historiadora. Um ambiente que vai sempre em crescendo, porque tomado o poder, quem o detém “precisa de aumentar o nível de violência e de intimidação, porque haverá uma série de matchus que estarão a arquitectar e a organizar-se para lhe retirar o poder”.

Em resultado desta forma de actuar, a “centralização do poder” torna-se “o modo de liderança e de governação” e o uso da “violência em todas as dimensões” uma prática corrente. Tudo feito na mais absoluta impunidade, porque há uma “subversão total do sistema de Justiça” que “garante a supremacia de certos grupos ou indivíduos face a outros”.

“Não é ironia” que nenhum Governo tenha conseguido concluir os quatro anos de mandato na Guiné-Bissau e que o único Presidente da República que o conseguiu, José Mário Vaz (cujo mandato terminou em Junho do ano passado, mas se manteve em funções até Fevereiro deste ano), só o tenha alcançado “ignorando toda a sociedade civil” e “indo contra as instituições democráticas e os resultados democráticos para impor a sua óptica e a sua agenda política”.

Segundo a deputada portuguesa, a luta pelo poder na Guiné-Bissau não é uma luta política, mas “uma luta pelo acesso aos recursos” que nada tem de ideológico.

“Numa determinada época, o que está em causa são os recursos que estão a ser gerados pelo tráfico de droga, mas é o recurso, o acesso ao recurso, o controlo do recurso, de vez em quando são até as disputas étnicas e religiosas, mas enquanto instrumento de ‘acesso a’ e nunca enquanto elemento fundamental”, conclui Joacine Katar Moreira.

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