Suspeito do roubo das Glock afirma que guardava dinheiro no guarda-vestidos

“Sempre achei mais seguro ter poupanças em casa. E se assaltavam o banco?”, perguntou em tribunal o polícia Luís Gaiba, que assumiu fuga aos impostos.

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O polícia acusado de roubar à PSP cinco dezenas e meia de pistolas Glock negou esta quinta-feira, em tribunal, ser o autor do furto. Luís Gaiba explicou o facto de ter pago em notas um Audi em segunda mão com alegadas poupanças que ele e a mulher guardavam no guarda-vestidos, dentro de bolsos dos fatos.

“Ia guardar o dinheiro onde?”, perguntou o polícia, que, segundo o Ministério Público, foi tirando as armas às escondidas do armeiro do comando nacional da PSP, na Penha de França, em Lisboa, durante mais de um ano, para entregar a um amigo seu, António Laranginha, um dos suspeitos do assalto a Tancos. Caberia depois a este último fazê-las chegar ao mercado negro, onde o seu custo podia ultrapassar os 2000 euros por unidade, através de outros cúmplices igualmente ligados ao furto do paiol de armamento militar.

A compra do Audi por 7000 euros, a pronto e em notas, é um dos indícios usados pelo Ministério Público para incriminar o agente. Isso e o facto de esta e outras despesas não serem compagináveis com os seus rendimentos. Mas Luís Gaiba explicou na primeira sessão do julgamento, que está a decorrer no Campos da Justiça, em Lisboa, que as suas poupanças vinham também de acções de formação que dava particularmente, na área da segurança. Se isso não surgiu reflectido na sua declaração de rendimentos foi porque fugiu aos impostos, acabou por assumir: “Não as declarei porque não me foi solicitada factura.”

O polícia disse que os bancos não lhe inspiravam confiança, e que, por isso, sempre que podia levantava dinheiro da conta para o arrecadar no guarda-vestidos: “Sempre achei mais seguro tê-lo em casa. E se assaltavam o banco?...”

Luís Gaiba admitiu não conseguir explicar como foram as armas à sua guarda entre 2015 e 2017 parar às mãos de criminosos do Porto e até de Algeciras, em Espanha. Das cinco dezenas e meia de Glock desaparecidas do armeiro apenas oito foram encontradas até ao momento. “Presumo que tenham sido levadas durante as minhas férias”, justificou, acrescentando que nem sempre se encontrava ao serviço na Penha de França. As armas terão desaparecido nas suas ausências.

As conversas em linguagem mais ou menos cifrada que foi mantendo ao telemóvel com António Laranginha, sobre a necessidade de este lhe entregar uns papéis, alegou o polícia que tinham a ver com os planos que tinha para este se tornar padrinho de crisma da sua filha, e não com os livretes das pistolas. “As escutas feitas durante a investigação foram interpretadas fora do contexto”, garantiu o arguido.

E terão sido também escutas interpretadas fora de contexto aquelas que foram feitas a outro arguido do mesmo processo ouvido também em tribunal nesta primeira sessão. Com 56 anos, o antigo soldador Armando Barros é sócio de António Laranginha nalguns negócios ligados à venda de peças para automóveis e à limpeza de terrenos. Mas também suspeito de ajudar a traficar as Glock, levando-as por exemplo para Espanha. Sob a atenção dos investigadores esteve uma viagem que fez ao país vizinho na Primavera de 2016. No regresso ficou hospedado num hotel em Vila Real de Santo António donde ligou à mulher com uma frase equívoca: “Agora vou tratar desta menina e vou dormir também”. 

Não estava a falar de arma nenhuma, garantiu às juízas que o interrogaram, pouco depois de assumir utilizar habitualmente haxixe para combater os problemas psicológicos. “Durante muitos anos tive muitas amantes, e a minha mulher sofreu muito com isso”, descreveu. “Acabei com essa situação porque a saúde deixou de ma permitir. E agora quando vou para fora dou a entender à minha mulher que estou com alguém, para ela se rir”. 

Uma explicação que este suspeito já tinha dado antes ao juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, mas que não logrou convencer o magistrado, até porque Armando Barros conta que sofreu o seu primeiro enfarte muito cedo. “Com um enfarte aos 31 anos e as artérias entupidas que lhe impediram de continuar a exercer a profissão, mostra-se temerário. Alguém que diz à própria esposa que vai tratar de uma menina, no sentido libidinoso?”, observou, incrédulo, o juiz, no despacho em que remeteu os 12 arguidos do processo para julgamento. “A menina a que o arguido estava a aludir não era um ser humano do sexo feminino, mas sim uma arma”, concluiu Carlos Alexandre. 

Os restantes dez arguidos recusaram-se, por enquanto, a prestar declarações, tendo-se remetido ao silêncio, incluindo a mulher de Luís Gaiba e o organizador do assalto a Tancos, João Paulino.

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