O problema grave que ninguém quer ver

Bem podem os peritos tentar sossegar-nos, bem podem as autoridades sanitárias afirmar que os novos casos se explicam à luz da melhor ciência, bem pode o Governo gerir com pinças a situação: os números são o que são e são preocupantes.

Não há outra forma de o dizer: Portugal tem um problema grave com as novas infecções de covid-19. Bem podem os peritos tentar sossegar-nos com garantias de que tudo está sob controlo, bem podem as autoridades sanitárias afirmar que os novos casos se explicam à luz da melhor ciência, bem pode o Governo gerir com pinças a situação para sugerir aos cidadãos que não há razões para alarme: os números são o que são e são preocupantes.

No Algarve porque ameaçam a recuperação de um sector estratégico da economia; na região de Lisboa porque revelam a impotência das autoridades; e nos lares um pouco por todo o país porque colocam outra vez uma população já de si frágil sob o espectro de um novo isolamento.

Portugal esteve bem na primeira fase de luta contra a doença e foi gratificante receber os elogios que chegavam do exterior; Portugal está mal na fase do desconfinamento, ficou de fora da lista dos viajantes autorizados por países como a Grécia ou a Dinamarca e chegou a hora de enfrentar as críticas. Se no final de Maio escrevemos neste espaço que os números de Lisboa mostravam um “cartão amarelo” ao desconfinamento acelerado, a sua persistência e os novos focos colocam-nos hoje num patamar de crise mais alto e bem mais grave.

Para lhe responder, vai ser essencial que o conjunto da sociedade perceba a dimensão do problema e se mobilize para o enfrentar. Festas como a do Algarve, que acabam com dezenas de contágios, não são apenas monumentos à irresponsabilidade: são também testemunhos de subdesenvolvimento que temos de enfrentar.

Mas se o que mais conta é a resposta colectiva, também o Governo e as autoridades têm de assumir que, colectivamente, o país está a falhar. Não é preciso alarmismo nem marcha-atrás no desconfinamento: bastam palavras duras de aviso, exemplos, mais fiscalização, melhores transportes, mais determinação e, principalmente, deixar de agir com o ar de que não se passa nada.

Passa. Cada país que fecha as fronteiras aos portugueses agrava a percepção externa de que, entre nós, o vírus está à solta; cada notícia que nos coloca no rol dos piores índices de contágio por 100 mil habitantes aumenta as dúvidas entre quem quer investir ou visitar o país; cada dia em que Portugal mostra um número de contágios acima de países como a Espanha ou a Itália acrescenta uma nódoa à credibilidade que construímos na primeira fase da pandemia. Sim, temos um problema grave e só uma perfeita consciência do que se está a passar pode ajudar a superá-lo.

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