Partidos rejeitam proposta do Chega sobre comissão de inquérito a ajustes directos

PSD, CDS e Iniciativa Liberal justificaram chumbo com a criação de uma comissão eventual já aprovada.

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André Ventura pediu uma "investigação séria" à compra de material de saúde Miguel Manso

A duplicação de comissões sobre a gestão da crise da covid-19 pelo Governo foi o principal argumento usado pelas bancadas parlamentares para condenar a criação de uma comissão de inquérito sobre a compra de material de saúde proposta pelo Chega. Um apelo ao “justificalismo” ou “show-off” de André Ventura foram algumas críticas apontadas à iniciativa do deputado único do Chega, durante o debate sobre a proposta, esta quinta-feira, no plenário.

Na intervenção inicial, André Ventura apontou que o valor dos contratos públicos em aquisição de material na área da saúde somava a 5 de Maio 150 milhões de euros e totalizava 80 milhões de euros em ajustes directos. André Ventura referiu-se directamente ao caso do contrato celebrado com a empresa de João Cordeiro, antigo candidato autárquico do PS, e do secretário de Estado João Paulo Rebelo, que terá sugerido a um autarca a empresa de um amigo para a realização de testes à covid-19. “São casos graves de mais para que o país não conheça a realidade do que se passou”, sustentou Ventura, pedindo uma investigação “exaustiva, séria e permanente”.

Duas propostas (uma do CDS, outra do PS) sobre a criação de uma comissão parlamentar eventual para acompanhar a gestão da crise da pandemia foram aprovadas há duas semanas e deverão convergir numa só. Esse foi o argumento usado pelo PSD, IL e CDS para rejeitarem a criação de uma comissão de inquérito, apesar de este instrumento parlamentar ter mais poderes do que uma comissão eventual.

O social-democrata André Neves defendeu que não se pode “banalizar” as comissões de inquérito nem “duplicar” comissões. Mas chamou a atenção para os riscos da percepção da falta de transparência com um exemplo: “Não ajuda nada a corrupção ter uma ministra da Justiça que nomeia um procurador castigado no âmbito de um processo de corrupção”.

João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, concordou com a ideia da necessidade de transparência nos negócios do Estado, mas defendeu que a proposta do Chega “não acrescenta nada” ao que já foi aprovado e que não votaria a favor de uma iniciativa associada a um “apelo ao justicialismo”.

Já Telmo Correia, líder da bancada do CDS, contrariou o PSD na apreciação do valor dado às comissões de inquérito, apontando os casos de Tancos e da banca como benéficos para o esclarecimento público. Mas também concordou com a ideia de que “não faz sentido criar duas comissões”, sem descartar a hipótese de vir a apoiar um inquérito parlamentar, se entretanto se justificar.

Só a líder da bancada do PAN assumiu votar a favor da iniciativa do Chega mas não sem lembrar que foram as bancadas do PS, PCP e BE que impediram a criação de uma comissão parlamentar para a gestão da covid-19 com o foco colocado no combate à corrupção. “Graças à conivência da esquerda, André Ventura tem mais um palco para mostrar preocupação com isto”, atirou Inês Sousa Real, ao mesmo tempo que acusou o deputado do Chega de fazer “puro show off” com a iniciativa.

Em defesa da transparência, os representantes do PS e do Governo sublinharam que foram seguidas as melhores práticas nas aquisições de material num contexto adverso, de aumento da concorrência internacional, fecho de fronteiras e fim da solidariedade entre os Estados. “Tomámos decisões das quais não nos arrependemos”, disse a secretária de Estado da Saúde adjunta Jamila Madeira, mostrando-se, no entanto, disponível para “todos os esclarecimentos”.

À esquerda do PS, o comunista António Filipe justificou a rejeição da criação de uma comissão de inquérito por ainda decorrer o combate à pandemia e recusou ceder “às manobras de diversão e jogos politiqueiros” de André Ventura.

O tom acabaria por subir com o bloquista Moisés Ferreira, que desviou o debate para as faltas de Ventura no Parlamento. “Para quê uma comissão, se depois vai faltar?”, questionou, acusando ainda o deputado de ter “20 mil perfis falsos nas redes sociais” e de ser “fã do clã Bolsonaro”. Na troca de palavras, o deputado do Chega apontou a ausência naquele momento no plenário da líder do BE, Catarina Martins.

A proposta do Chega é votada esta sexta-feira, mas parece condenada ao chumbo.

Enfermeiros: mais do que a Liga de Campeões

Um dia depois de o primeiro-ministro ter considerado a escolha de Portugal para a fase final da Liga dos Campeões como um “prémio aos profissionais de saúde”, as carreiras dos enfermeiros estiveram em debate no Parlamento com vários partidos a pedirem mais “acção” e menos “palmadinhas” nas costas. Da esquerda à direita, deputados de todas as bancadas saudaram os enfermeiros pelo trabalho feito durante a pandemia.

Em causa estavam duas petições que tinham projectos de lei e de resolução associados. “O que se exige é passar das palmas às acções. Porque não é nem de palmadinhas nas costas nem de Champions League que vivem os enfermeiros”, disse Moisés Ferreira, deputado do BE, que, tal como o PCP, propõe que os enfermeiros com título de especialista em funções de chefia transitem para a categoria de especialista, quando deixem de exercer aquelas funções.

A deputada socialista Telma Guerreiro afirmou que “seria desonesto dizer que nesta fase é possível responder afirmativamente a todas as propostas”. Mas abriu a porta à medida reclamada pelos partidos. “Concordamos completamente com a justa transição para enfermeiros especialistas para os enfermeiros em cargos de chefia e de direcção. Vai ser dado mais um passo na valorização dos profissionais”, disse, sem revelar o sentido de voto desta sexta-feira sobre os projectos de lei do PCP, BE e CDS e o de resolução do PAN.

A posição deixou alguns deputados na dúvida. A centrista Ana Rita Bessa disse esperar que a deputada “mova as suas influências” para que as negociações entre o Governo e os sindicatos para a valorização da carreira de enfermeiro sejam retomadas.

Pelo PAN, a deputada Bebiana Cunha considerou que o Governo tem o dever de dar “sinais claros” aos enfermeiros e “dialogar para resolver os problemas identificados” à luz da proposta da sua bancada. “É que, ao contrário do que despropositadamente ontem foi dito: não é de prémios como a UEFA que estes profissionais precisam”, apontou.

A social-democrata Carla Barros apontou as afirmações do primeiro-ministro como um “incidente”. Tal como o CDS, o PSD também defende que as matérias de valorização das carreiras pertencem mais à esfera de actuação do Governo do que no Parlamento, uma posição que as bancadas mais à esquerda lamentaram. Quando a deputada Telma Guerreiro recordou ao plenário que “os enfermeiros têm memória” e que foi no tempo do Governo PSD/CDS que foram “mandados emigrar” e que tiveram “cortes nos salários”, o social-democrata Jorge Paulo Oliveira respondeu com um “apelo final” ao Governo e ao PS: “Deixem-se de conversas, deixem-se de tretas”.

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