Carta aberta a António Costa

Apelamos aos que se opõem ao plano para assumir as suas responsabilidades e a não impor condições que obriguem os países afetados pelo coronavírus a sofrer com mais austeridade. Nenhum país causou a pandemia e ninguém deve ser obrigado a pagar as consequências. Tal como o vírus, a recessão não respeita fronteiras.

Exmo. Senhor
Primeiro ministro
Dr. António Costa

A União Europeia está a atravessar a mais profunda recessão da sua história, e a decisão que os líderes Europeus irão tomar no Conselho Europeu virtual, da próxima sexta-feira, terá consequências muito concretas na vida de milhões de pessoas e no próprio futuro da Europa, que estão profundamente interligados.

Os líderes Europeus têm, na sexta-feira, uma opção histórica a tomar quando se conectarem para discutir como evitar que uma crise da saúde se transforme numa crise económica e social: terão eles aprendido as lições de 2008 e, se assim for, optam por uma retoma baseada na solidariedade e na sustentabilidade, ou optam, de novo, pela austeridade e por objetivos de curto prazo, arriscando-se a uma divisão a longo prazo?

A confiança do público na União Europeia caiu em todos os Estados-membros na sequência da crise financeira, com um declínio dramático nos países mais fortemente atingidos pelo regime de austeridade que custou empregos, cortes de salário e que prejudicou a saúde e os serviços públicos. Nós ainda não recuperámos totalmente dessa crise e já os efeitos deste novo choque começam a aparecer.

Nos primeiros três meses deste ano, o PIB da União Europeia teve o maior declínio dos últimos 30 anos, ao mesmo tempo que o número de pessoas a trabalhar baixou pela primeira vez desde 2013. Quase 60 milhões de trabalhadores foram colocados em lay-off ou em desemprego temporário  e milhões de empresas, designadamente as PMEs, estão em risco de falência. Quantos destes empregos e empresas estão perdidos de forma permanente depende da resposta política para a crise.

É por isto que os líderes devem apoiar a proposta da Comissão Europeia para um fundo de recuperação de €750 mil milhões, dois terços dos quais terão a forma de subvenção, em lugar de empréstimo, de forma a não originar dívida publica adicional e insustentável, e um novo orçamento europeu suficientemente grande para fazer face ao desafio que se aproxima.

Se assim for, e se seguir com ações nacionais inteligentes suportadas pelos fundos Europeus, milhões de empregos podem ser salvos e novos empregos de qualidade podem ser criados, o investimento publico deverá aumentar em um terço – um passo significativo na direção certa. Tudo isto deverá ser acompanhado por um apoio massivo à procura interna e à produtividade, o que pode ser conseguido através de aumento de salários negociados por sindicatos e empregadores em sede de negociação coletiva.

Tal como em 2008, há fios atados ao dinheiro. Mas, desta vez, as condições propostas não podem estar ligadas à consolidação fiscal, devem estar ligadas ao investimento na transição para uma economia verde e digital, em lugar das privatizações ou da destruição da negociação coletiva. Estas condições são o ponto de partida, o investimento é igualmente necessário para lidar com o desemprego jovem e apoiar os serviços públicos, a saúde, a educação e a formação.

Nenhum dinheiro europeu deverá ir para empresas que recusem negociar salário e condições de trabalho com os sindicatos ou que impeçam o financiamento dos serviços públicos através da elisão e evasão fiscal. Da mesma forma, empresas que recebam dinheiro público devem providenciar empregos dignos, e trabalhar para atingir as metas climáticas de forma socialmente justa. Dito isto, empregadores e sindicatos deveriam ser envolvidos na conceção e implementação dos programas nacionais de retoma.

O plano de recuperação tem potencial para finalmente restaurar a confiança na Europa, que se perdeu durante a última crise, e fazer a diferença na vida dos trabalhadores quando eles mais precisam. Os trabalhadores não agradecerão aos seus líderes por persistirem em intermináveis discussões dum plano que pode salvar os seus empregos.

O plano tem o apoio da maioria dos Estados-membros e de líderes poderosos como Emanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel.

Apelamos aos que se opõem ao plano para assumir as suas responsabilidades e a não impor condições que obriguem os países afetados pelo coronavírus a sofrer com mais austeridade.

Nenhum país causou a pandemia, e ninguém deve ser obrigado a pagar as consequências. Tal como o vírus, a recessão não respeita fronteiras. No mercado único Europeu, a crise numa parte da Europa enfraquecerá a economia de todo o continente.

E inevitavelmente outra crise económica e social prolongada transformar-se-á numa crise da UE, pondo em risco a coesão Europeia, a democracia e o futuro do projeto europeu. O plano de recuperação é a única forma de assegurar que a Europa emerge destes tempos difíceis mais justa, verde e unida.

Os líderes devem fazer o que está certo e construir uma União Europeia que protege os seus cidadãos, trabalhadores e empresas.

Carlos Silva, Secretário-Geral da UGT, Membro do Comité Executivo da CES/ETUC (Confederação Europeia de Sindicatos/European Trade Union Confederation)
Laurent Berger, Presidente da CES/ETUC (Confederação Europeia de Sindicatos/European Trade Union Confederation)
Luca Visentini, Secretário-Geral da CES/ETUC (Confederação Europeia de Sindicatos/European Trade Union Confederation)

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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