EUA e Venezuela travam batalha judicial em Cabo Verde

O empresário Alex Saab foi detido na sexta-feira pelas autoridades cabo-verdianas. Caracas denuncia a detenção como ilegal e exige a libertação imediata de Saab, enquanto Washington tem pouco mais de duas semanas para conseguir a extradição.

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Alex Saab é apontado como um dos testa-de-ferro do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro Manaure Quintero/Reuters

Cabo Verde transformou-se num campo de batalha judicial entre os Estados Unidos e a Venezuela por causa da detenção do empresário Alex Saab, apontado por Washington como um dos testa-de-ferro do Presidente Nicolas Maduro e acusado de lavagem de dinheiro e conspiração por tribunais americanos e colombianos, pelas autoridades do país arquipélago. Os Estados Unidos podem pedir a sua extradição aos tribunais cabo-verdianos, enquanto a Venezuela exige a libertação imediata do que diz ser um “agente” do seu Governo. 

O empresário Alex Nain Saab Moran, de nacionalidades colombiana e venezuelana, dirigia-se no seu avião privado em direcção ao Irão, onde se supõe que iria negociar contratos de abastecimento alimentar para a Venezuela, quando fez uma paragem no aeroporto da ilha do Sal, em Cabo Verde. Foi detido na sexta-feira enquanto o seu avião estava a ser reabastecido e, depois de apresentado ao juiz, posto em prisão preventiva, o primeiro passo no processo de extradição. 

Três tribunais americanos acusam-no de lavagem de dinheiro e corrupção e na Colômbia há outros processos judiciais que já resultaram na apreensão de oito propriedades suas no país, no valor total de 9,7 milhões de dólares.

Os Estados Unidos apontam-no como um dos testas-de-ferro do Presidente Nicolas Maduro, apesar de não haver nenhum processo criminal que o apresente como tal, e incluíram-no, em Junho de 2019, na lista de sanções do Departamento do Tesouro, por considerarem que é um elemento essencial na estratégia de Caracas para contornar o embargo imposto ao país por Washington. Os Estados Unidos têm pouco mais de duas semanas (18 dias a contar de domingo) para pedir a extradição, mas, em casos de força maior, o prazo pode ser alargado para 40 dias. 

“É um acto intencional do Estado [a detenção], sabiam o que estavam a fazer e fizeram porque quiseram, não eram obrigados a isso. Passa sempre por uma decisão política e é uma decisão política, disseram ao procurador [procurador-geral da República de Cabo Verde] para avançar com a detenção”, disse à Lusa o advogado de Saab em Cabo Verde, José Manuel Pinto Monteiro. “É nítido que Cabo Verde escolheu um lado”, continuou o advogado, admitindo estar a aguardar pelos “fundamentos” da detenção para “ver se vale a pena recorrer”. 

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Alex Saab é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em processos judiciais nos Estados Unidos D.R.

Saab, de 48 anos, foi detido pelas autoridades cabo-verdianas por a Interpol ter um alerta vermelho em seu nome e o Governo venezuelano disse que a detenção foi feita sem que houvesse na altura mandado internacional e que este apenas foi emitido já depois de o empresário ser detido, o que torna a detenção ilegal, argumenta. Opinião diferente tem o procurador Luís José Ladim ao dizer que o alerta vermelho equivale a um mandado. “A Interpol tinha na sua página um aviso vermelho, que significa precisamente deter uma pessoa para extradição”, disse à Lusa o procurador.

Caracas também afirmou, admitindo pela primeira vez ligações com o empresário, que Saab é um “agente do Governo” e que viajava com passaporte diplomático, o que lhe dá imunidade de acordo com a lei internacional, e que a sua detenção não é menos que “um acto de agressão e de assédio” dos Estados Unidos. "Em estrita adesão ao direito internacional e no âmbito da amizade e relações respeitosas que mantemos historicamente entre os dois países, a Venezuela pede ao Estado cabo-verdiano que liberte o cidadão Alex Saab, facilitando o seu regresso e protegendo os seus direitos fundamentais, com base no devido processo legal”, lê-se no comunicado venezuelano. 

A Venezuela já começou a mobilizar os seus aliados, especialmente a Rússia, para mediarem a libertação do empresário e o país entrou na luta geopolítica entre Washington e Caracas, diz o El País

Mas o imbróglio legal adensou-se quando a ex-procuradora-geral da Venezuela, Luísa Ortega Díaz, entrou em cena anunciando, esta segunda-feira, que vai enviar às autoridades de Cabo Verde uma investigação do Ministério Público venezuelano sobre o empresário. “Nas próximas horas, enviaremos uma comunicação ao procurador-geral de Cabo Verde com cópia de todo o processo do caso de corrupção de Alex Saab, ratificando a importância de que seja entregue às autoridades americanas”, disse no Twitter. 

A ex-procuradora, durante anos aliada do antigo Presidente Hugo Chávez e de Maduro, entrou em ruptura com o regime venezuelano aquando da formação da Assembleia Constituinte e, em Junho de 2017, foi proibida de sair do país pelo Supremo Tribunal que lhe congelou as contas bancárias – o seu marido chegou mesmo a ser alvo de um mandado de detenção. Um mês depois, numa reunião de procuradores do Mercosur, Díaz denunciou a corrupção endémica do regime e as supostas ligações criminosas entre Saab e Maduro, vivendo hoje em parte incerta. 

“Em 2017, revelei ao mundo quem era Alex Saab e o seu vínculo criminoso com Nicolás Maduro. A detenção do principal testa-de-ferro é uma esperançosa vitória para os que procuramos justiça contra os que enriqueceram com a fome dos venezuelanos”, escreveu na rede social a ex-procuradora-geral, salientando tratar-se de um “duro golpe à tirania” e que com o empresário “cai toda a informação sobre contactos, negócios, contas e nomes de outras personagens que servem Maduro, para que se mantenha no poder”. 

O empresário sempre assumiu uma postura discreta ao longo da sua vida e estabeleceu uma vasta rede de contactos na Venezuela e na Colômbia, chegando mesmo a ser amigo da senadora colombiana Piedad Córdoba, muito próxima de Chávez, diz o El País. Nos anos de controlo cambial no país, a sua empresa, a Fondo Global de Construcción, forneceu ao Estado venezuelano kits para a construção de casas pré-fabricadas num valor de 685 milhões de dólares e o contrato foi assinado com a presença de Chávez e do Presidente colombiano, Juan Manuel Santos.

Tudo melhorou para Saab quando a Chavéz sucedeu Maduro em 2013. A partir daí expandiu ainda mais a sua rede e assinou uma nova série de contratos com o Estado, ganhando importância no círculo próximo do regime e enriquecendo. Foi detido quando se dirigia ao Irão para negociar a importação de alimentos para um país onde milhões de venezuelanos têm pouco que comer numa economia que está longe de dar bons sinais de vitalidade, em parte por causa das duras sanções americanas. 

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