Nações Unidas horrorizadas com descoberta de valas comuns em cidade líbia

Foram descobertas pelo menos oito valas comuns, com mais de uma centena de cadávares, na cidade de Tarhuna, até recentemente controlada pelas forças do senhor da guerra Khalifa Haftar. Governo de Trípoli anunciou a criação de uma comissão para investigar crimes de guerra.

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Uma das oito valas comuns descobertas na cidade líbia de Tarhuna ISMAIL ZITOUNY/Reuters

As forças do Governo de Acordo Nacional, reconhecido pelas Nações Unidas, encontraram pelo menos oito valas comuns na cidade de Tarhuna, na Líbia Ocidental, pouco depois de a conquistarem ao Exército Nacional Líbio do marechal Khalifa Haftar. As Nações Unidas já expressaram “horror” pela descoberta e o Governo de Trípoli anunciou a criação de uma comissão de investigação.

“Apelamos aos seus membros que empreendam de imediato o trabalho destinado a proteger as valas comuns, identificando as vítimas, estabelecendo causas de morte e devolvendo os corpos aos parentes próximos”, disse esta quinta-feira no Twitter a Missão de Apoio à Líbia das Nações Unidas, expressando “horror”. Mais de 150 corpos foram retirados das valas comuns, disse a agência turca Anadolu. 

O Governo de Trípoli, apoiado pela Turquia, já criou uma comissão para investigar os corpos nas valas comuns e garantiu estar a “documentar os nefastos crimes cometidos por milícias que controlaram a cidade de Tarhuna”. “Descobrimos um contentor onde todos os detidos foram queimados. Também encontramos várias valas comuns, de acordo com os nossos relatórios iniciais”, disse em comunicado o ministro da Justiça, Fathi Basghagha, citado pela CNN. 

“A região está cheia de cadáveres”, disse à Anadolu Lutfi Tevfik Misrati, director do gabinete de investigação de pessoas desaparecidas. “Achamos que há mais dez a 12 corpos noutra vala comum neste campo. Foram encontradas valas comuns em cinco ou mais pontos diferentes”. 

Pouco depois de a cidade ser libertada, a 5 de Junho, foram encontrados mais de 100 corpos, incluindo de mulheres e crianças, num hospital da cidade, de acordo com a agência turca Anadolu. Os relatórios iniciais do Governo de Trípoli apontavam para execuções sumárias.

A cidade de Tarhuna foi conquistada pela milícia Kaniyat pouco depois de Haftar ter levado a cabo, em Abril de 2019, uma ofensiva contra a capital líbia. Falhou e durante meses viveu-se um impasse nas linhas da frente, com os dois lados a entrincheirarem-se, até o Governo de Acordo Nacional ter avançado com a sua própria ofensiva na parte Ocidental do país, tomando várias cidades e vilas às forças de Haftar, incluindo a base aérea estratégica de Watiya.

Com o flanco esquerda desprotegido, as forças de Haftar e suas aliadas retiraram e as de Trípoli avançaram, conquistando Tarhuna. A cidade era um ponto estratégico na logística para os ataques à capital, um dos últimos bastiões controlados pelo marechal e senhor da guerra e há muito se suspeitava que soldados e responsáveis estatais fieis a Trípoli, civis e activistas da sociedade civil eram perseguidos e mortos por milicianos. As Nações Unidas chegaram a registar em Setembro do ano passado execuções sumárias nas prisões da cidade. 

“Durante 15 meses, grupos filiados a Haftar operaram impunemente em Tarhuna e noutros locais, à medida que os seus aliados estrangeiros os protegiam de escrutínio aos abusos que aparentemente incluem mortes ilegais, desaparecimentos e tortura”, disse ao canal americano Hanan Salah, investigadora da Human Rights Watch. “É tempo de o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabelecerem finalmente uma investigação internacional às violações de ambos os lados na Líbia, o que iria enviar um sinal inquestionável aqueles que cometem ou ordenaram crimes de guerra”. 

Há anos que a Líbia é palco de guerras. Desde 2011, depois de o ditador Muammar Khadafi ter reprimido os protestos democráticos da Primavera Árabe e da intervenção da NATO, que o poder é disputado por governos fracos. Nos últimos anos, o confronto tem decorrido entre o executivo de Trípoli e o de Haftar, com sede em Tobruk, e as negociações de paz têm falhado à mesa das conversações ou no terreno. O conflito já matou mais de 300 civis e dois mil combatentes, obrigando ainda à deslocação de mais de 146 mil civis, de acordo com as Nações Unidas. 

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