Em tempos de confinamento, a comida de luxo não é uma prioridade

A comida de alta qualidade é dos sectores que mais se ressente com a pandemia. Os produtores procuram novas estratégias para a venda dos seus produtos, mas o futuro é ainda instável.

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Com os melhores restaurantes de sushi fechados, o atum de melhor qualidade passa a ser vendido para supermercados YUKA OBAYASHI/Reuters

A procura global por alimentos de luxo como o novilho japonês wagyu, o atum rabilho e o caviar. Milhares de restaurantes fecharam e as economias caíram em recessão em plena pandemia do coronavírus. Enquanto as medidas restritivas do confinamento para conter o surto devastam a economia global, a indústria da comida de luxo encontra-se também em queda ao depender fortemente de restaurantes e hotéis de topo para a procura de produtos de luxo como o caviar e o champanhe. Por agora, alguns produtores de comida gourmet estão a contactar os clientes directamente para se manterem activos, mas outros foram forçados a cortar a produção já que alguns produtos perderam metade do seu valor desde o início do ano. 

Jean-Marie Barillère, co-presidente do lobby de produtores de champanhe CIVC em França, afirmou que esperava que as pessoas celebrassem o abrandamento das medidas de confinamento com uma garrafa de champanhe, mas prevê um final do ano difícil. “Este é mesmo um período que parece tempo de guerra”, declara. Os dados sobre reservas compilados pela Open Table, um serviço de reserva de restaurantes, acusa um declínio de 80% anual em jantares em restaurantes nos EUA, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Austrália, Irlanda e México.

As pessoas têm menos probabilidade de consumir comida de luxo quando estão presas em casa no meio de uma crise sanitária e preocupadas com a sua situação financeira, ou quando submetidas a medidas de distanciamento no momento em que os restaurantes reabrem. “As pessoas não vão querer provar um vinho Chateâu Pétrus, uma lagosta ou caviar quando estão numa redoma de vidro”, afirmou Michel Berthommier, director-executivo da Caviar Perlita em  França. “Se forçarmos as pessoas a comer nestas condições, elas vão preferir fast food”, acrescenta. 

Grandes descontos

A comida de alta qualidade foi “um dos sectores que mais sofreu a nível mundial”, constata Ole Houe, director dos serviços de consultoria de corretagem da agricultura, IKON Commodities, em Sydney. Houe afirma que não espera uma recuperação dada a recessão de muitos países. A diminuição da procura já teve repercussões nos preços de produtos de luxo. Em Tóquio, o preço do novilho waguy de alta qualidade caiu cerca de 30% em relação ao ano anterior, o atum rabilho — considerado o melhor no Japão — caiu mais de 40% durante este período, enquanto os preços dos famosos “melões de Earl” de Shizuoka caiu em 30%.

Entretanto, a companhia de criação de esturjão de topo  Russian Caviar House  esteve a oferecer um desconto de 30% para caviar híbrido de Beluga. “A Primavera e o Verão são sempre épocas baixas para o mercado do caviar, mas se compararmos este período com anos anteriores, as vendas na Rússia baixaram 50%”, declara o dono da empresa, Alexander Novikov. Em França, os preços do caviar baixaram, alcançando níveis históricos, as vendas de champanhe caíram, enquanto os produtores de foie gras tiveram de cortar na produção para sustentar os preços. Cifog, um grupo de produção de foie gras, declarou que os restaurantes estimam a venda de 40% do foie gras no total. “A meio de Março parecia que o tecto tinha caído sobre nós”, afirmou Florian Boucherie, que produz duas toneladas de foie gras por ano em França. Pescadores de ostras e ameijoas de Cape Cod e outros grupos de pesca também tiveram de limitar as capturas tendo em conta a alteração dos hábitos de alimentação global. 

Recorrer ao online 

Para colmatar o enorme fosso deixado pelos restaurantes, os produtores de comida de alta qualidade estão a tentar chegar aos consumidores directamente através de plataformas de e-commerce. Outros estão a encaminhar mais produtos para as prateleiras dos supermercados. “Estamos a acelerar a nossa oferta de produtos para alguns dos maiores supermercados do mundo, talhos gourmet e directamente para consumidores online”, informa Hugh Killen, director-executivo da maior produtora de bife da Austrália, Australian Agricultural Company. Mas alguns vendedores afirmam que vender para supermercados é muito menos rentável do que vender para restaurantes de alta qualidade. 

No Japão, os chefes de sushi de topo pagam 400 mil ienes (32,908 euros) por dez quilogramas do melhor corte de atum comparado com os 25 mil ienes pagos pelos supermercados pela mesma quantidade, explicita Yukitaka Yamaguchi, dono da corretagem de atum Yamayuki no mercado de Toyosu em Tokyo. Yamaguchi diz que “a melhor parte do atum” é geralmente vendida a restaurantes de sushi de alta qualidade mas que, quando estes fecham, o “harakami não tem para onde ir” — eventualmente começaram a oferecer atum de alta qualidade para peixarias e supermercados, mas Yamaguchi viu-se obrigado a planear a reforma uma vez que acumulou dívidas durante a pandemia. “Tinha planeado reformar-me aos 60, mas já não é possível”, lamenta. 

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