Um país de vidas seguras

A pandemia ensinou-nos que os bens essenciais do país são o trabalho e os serviços públicos. É neles que temos que investir como pilares da segurança de todos.

Diante da ameaça da doença e diante da ameaça da desumanização da resposta, eu vi um povo determinado a não se deixar derrotar nem por uma nem pela outra. Vi um povo extraordinário que soube respeitar a distância física sem nunca quebrar laços de solidariedade social. Vi um povo que soube contrapor à lógica que alguns quiseram que fosse “de guerra”, a lógica do cuidado e fazer dele o centro da vida e o centro da política. Não podemos desperdiçar o que o povo nos ensinou.

Sim, o cuidado – cuidado intensivo, por tanta gente praticado – foi o melhor que experimentámos nestes dias de pandemia. Foi ele que defendeu a nossa humanidade. Ele foi atitude e foi política. Na primeira linha da proteção – do cuidado – de todos, estiveram o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social.

O mundo dos negócios, sempre ávido de juntar lucro ao lucro, mostrou a sua imensa fragilidade e o imenso vazio da sua resposta à necessidade de segurança das pessoas. Quando o hospital público acolheu as pessoas doentes com competência e com disponibilidade sem fim dos seus profissionais, os grupos privados dividiram-se entre fechar as portas e fixar a conta de milhões a cobrar ao Estado para tratar as pessoas. Quando os despedimentos e a redução dos salários foram trazidos de volta como suposta inevitabilidade, foi a Segurança Social que se assumiu como garante do rendimento dos trabalhadores e da manutenção das pequenas empresas.

Sei bem que as respostas não chegaram a todas as pessoas. As vidas que já estavam comprometidas por baixos salários e pensões sofreram mais com esta crise. Sofreram, desde logo, com o aumento da precariedade, com a privatização ou o desinvestimento nos serviços públicos ou com a invisibilidade quase permanente. É o caso de cuidadores informais, pessoas com deficiência, daqueles para quem o rendimento era já curto ou de outros setores socialmente vulneráveis. Sem um caminho de transformações estruturais, limitados a medidas paliativas, Portugal verá reforçadas as desigualdades sociais existentes.

Depois da crise sanitária, o país deve devolver força e justiça ao mundo do trabalho. A pandemia está a ser pretexto para, novamente, empobrecer quem vive do seu trabalho e diminuir direitos. A limitada recuperação de rendimentos operada nos últimos cinco anos nunca agradou aos adeptos da competitividade alicerçada nos baixos custos do trabalho. Esses setores vêm a pandemia como oportunidade para reverter o caminho feito nos últimos anos contra esse programa. O programa de recuperação de que o país precisa tem, ao contrário, que barrar caminho ao descarte de trabalhadores e ao trabalho precário e tem que garantir salários motivadores e pensões que criem horizontes de vida dignos. Precisamos, por tudo isto, de um compromisso para a cobertura universal da protecção social, a promoção do trabalho com direitos e a criação de emprego.

Depois da crise sanitária, é estratégico para o país reforçar os serviços públicos, o seu alcance universal e a sua qualidade. À cabeça de todos, o Serviço Nacional de Saúde, lugar maior da nossa democracia. Contra os que querem deixá-lo refém dos privados, os mesmos que faltaram ao país quando se lhes exigiu um mínimo de  sacrifício, eu assumo o reforço do Serviço Nacional de Saúde – em profissionais, meios técnicos, autonomia de gestão, recursos financeiros – como primeiro garante da segurança de todos e do cuidado com todos. Devemos investir no cuidado, respondendo às necessidades de longa duração e de apoio domiciliário.

A resposta de saúde deve ser articulada com as respostas social e ambiental. Os países que não souberem apostar nessa articulação, perderão em cada um dos três domínios. A crise pandémica evidenciou a necessidade de uma alteração estrutural dos padrões de mobilidade. Não podemos voltar atrás. Investimento público em transportes, transição energética, redução da dependência externa pelo reforço da produção local e pela redução das cadeias de distribuição são alguns dos desafios estratégicos que temos pela frente.

Esperar que tudo se solucione com um modelo económico já conhecidos ou na expectativa de que os fundos que vierem da União Europeia façam milagres é adiar o futuro sem perceber a fundo o impacto desta crise nas nossas vidas. Sem mudança de modelo, voltaremos a deixar para trás aqueles que são sempre sacrificados em tempos de crise. 

A energia de um país solidário é a que me move e aquela por que lutarei nos próximos meses. Julgo que, sob a crise sanitária, compreendemos que o nosso desafio coletivo é o de sermos um país em que todos tenham vidas seguras. A pandemia ensinou-nos que os bens essenciais do país são o trabalho e os serviços públicos. É neles que temos que investir como pilares da segurança de todos.

O futuro começa a decidir-se agora. E as escolhas deste ano e do próximo ano vão determinar o país que teremos. À elite económica e social que faz da desigualdade a sua política, respondo com a universalidade do Estado social, com a solidariedade e a repartição da riqueza, com a luta por justiça climática e justiça social. A esquerda dirá presente a este desafio.

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