Os tumores cerebrais: dos sintomas ao tratamento

O Dia Mundial dos Tumores Cerebrais é assinalado nesta segunda-feira. Na maioria dos doentes a cirurgia é o primeiro passo do tratamento. Para muitos tumores benignos, o tratamento reduz-se apenas à remoção do tumor, seguida do controle periódico através de imagem para verificar se existe algum crescimento ulterior.

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"A crescente eficácia dos tratamentos complementares é tanto maior quanto maior e melhor for a qualidade do acto cirúrgico inicial" Robina Weermeijer/Unsplash

Os tumores que afectam o cérebro podem ter origens diversas. Aqueles que têm ponto de partida nas próprias células cerebrais chamam-se primários e são frequentemente de natureza maligna na altura do diagnóstico. Quando não apresentam inicialmente características claras de malignidade têm, no entanto, uma grande probabilidade para a transformação maligna ao longo dos anos. Este é um dos argumentos a favor do diagnóstico e tratamento precoces destas neoplasias.

Existem também tumores que crescem no cérebro mas que correspondem a disseminações de tumores à distância, ou seja, com sede inicial noutro local do corpo. São denominados metástases e o prognóstico da doença neste contexto está sempre associado, também, ao da neoplasia primária.

Finalmente, ocorrem ainda tumores que crescem não a partir do cérebro mas da membrana que o envolve e protege, a dura-máter, ou mesmo do próprio osso do crânio, e que acabam por produzir queixas algo semelhantes pelo efeito de compressão do cérebro subjacente.

De uma forma geral os doentes queixam-se de dores de cabeça fora do padrão habitual, progressivamente mais fortes e mais persistentes, que se podem acompanhar de um estado nauseoso e que se devem ao aumento da pressão intracraniana causado pelo crescimento do tumor.

Outra forma comum de manifestação dos tumores cerebrais é a epilepsia, que corresponde a uma irritação do cérebro provocada pelo crescimento do tumor. As crises epilépticas podem ter características diversas, sendo a mais habitual a que consiste em movimentos involuntários e violentos dos membros seguida de perda de conhecimento.

Estes tumores crescem invadindo, destruindo ou empurrando o tecido cerebral provocando queixas que variam de acordo com a função e a eloquência da zona envolvida. Se o tumor ocorre na proximidade de uma área que comanda uma função motora, então o defeito esperado será uma perda de força ou coordenação dos membros. Este defeito é sempre contralateral, uma vez que cada uma das duas metades que compõem o cérebro controla a metade oposta do corpo. Se a área sensitiva for envolvida podemos esperar encontrar alterações da sensibilidade, bem assim como, perturbações da memória, expressão ou compreensão da linguagem, quando os tumores infiltram outras regiões, em especial do hemisfério esquerdo que é dominante para a linguagem na maior parte da população.

Muitas das queixas são relativamente subtis ou mesmo inespecíficas de início como é o caso das dores de cabeça ou das alterações do equilíbrio, pelo que se torna fundamental que as mesmas sejam reportadas e interpretadas por um especialista nesta área seja ele um neurologista ou um neurocirurgião.

O diagnóstico passa pela recolha da informação que o doente refere e bem assim de alguns dados objectivos no seu exame neurológico, que ajudam a enquadrar as queixas e que, de acordo com os conhecimentos de anatomia e funcionamento do cérebro de que dispomos, permitem aos médicos estabelecer um diagnóstico de probabilidade em relação à natureza e localização de uma eventual lesão cerebral e assim orientar os exames diagnósticos.

O passo seguinte consiste na realização de exames de imagem do cérebro, habitualmente TAC e ou Ressonância Magnética Nuclear (RMN) cranianas. Estas técnicas permitem visualizar a anatomia do cérebro e identificar a existência de tumores caso estejam presentes. A ressonância consegue, ainda, construir, através da chamada RMN functional, um mapa das áreas de eloquência motora e de linguagem o que possibilita um planeamento mais adequado do tratamento cirúrgico e uma melhor estimativa do risco envolvido.

O tratamento dos tumores cerebrais, à semelhança do que acontece com as demais neoplasias, deve ser planeado cuidadosamente, com o concurso de opiniões das várias especialidades envolvidas. São elas a neurocirurgia, que assegura o passo fundamental da intervenção cirúrgica para a remoção do tumor, a neuro-oncologia, que coordena os tratamentos de quimioterapia quando necessários, e a radio-oncologia, que é responsável pelo planeamento e execução dos tratamentos de radiação. Em complementaridade faz-se ainda recurso das áreas de reabilitação na recuperação de defeitos motores, da neuropsicologia para os defeitos de linguagem e memória e também da neurofisiologia na caracterização da função cerebral antes, durante e após a operação.

Na maioria dos doentes a cirurgia é o primeiro passo do tratamento. Para muitos tumores benignos, o tratamento reduz-se apenas à remoção do tumor, seguida do controle periódico através de imagem para verificar se existe algum crescimento ulterior.

Os tumores que são malignos à partida ou que possuem esse potencial de transformação exigem uma abordagem mais complexa. Nem sempre é possível obter uma remoção tumoral completa e, mesmo quando o tumor parece totalmente ressecado em imagem, persiste o perigo real de recrescimento através de infiltração celular em torno da loca cirúrgica, que pereniza a doença. Também por essa razão os tratamentos complementares com quimioterapia e radioterapia tornam-se fundamentais, para prolongar pelo período de tempo mais dilatado possível uma vida livre de doença ou pelo menos com doença controlada, preservando igualmente a qualidade de vida do doente.

Em última instância o prognóstico quanto à vida e também em relação à qualidade da mesma, depende do tipo, tamanho e localização do tumor, da radicalidade e perícia técnica da sua remoção cirúrgica, e da susceptibilidade dos tumores aos tratamentos adjuvantes acima enumerados. Sabemos hoje, que a caracterização pormenorizada destes tumores ao nível molecular permite reconhecer diversos tipos que apresentam comportamentos radicalmente diferentes, mesmo quando as outras características parecem torná-los semelhantes.

É com base neste avanço do conhecimento da genética destas neoplasias que se têm desenvolvido formas de tratamento menos generalistas e mais dirigidas a estes padrões moleculares singulares o que tem permitido alguns ganhos importantes. Também do lado da radioterapia se têm garantido importantes avanços científicos e tecnológicos que permitem assegurar uma extrema fiabilidade e focagem da radiação, permitindo com frequência o recurso a tratamentos em dose única como é o caso da chamada radiocirurgia, poupando assim os efeitos adversos de uma radiação de áreas do cérebro não envolvidas pela doença.

Curiosamente, e apesar destes enormes avanços produzidos nos tratamentos médicos dos tumores cerebrais, que nos fariam pensar que a modalidade cirúrgica poderia ser progressivamente dispensada, a realidade tem provado com frequência o oposto. De facto parece bem mais claro hoje em dia que a crescente eficácia dos tratamentos complementares é tanto maior quanto maior e melhor for a qualidade do acto cirúrgico inicial. Obter uma remoção o mais radical possível do tumor garantindo, concomitantemente, uma preservação da função do cérebro são factores absolutamente incontornáveis para o sucesso de um qualquer tratamento.

Este é também o maior argumento a favor do tratamento destes doentes em centros com experiência individual e colectiva nos tratamentos desta patologia, equipados com tecnologia de ponta que permita assegurar o nível de exigência e qualidade pretendidos.

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