Ex-assessor da Benfica SAD, Paulo Gonçalves, representou mesmo Luquinhas

Clube “encarnado” defende normalidade de cláusulas suspeitas no contrato de cedência do futebolista para o Desp. Aves, mas não as inclui no acordo internacional de transferência para o Legia Varsóvia. Ex-assessor jurídico ainda era “secretário da sociedade” Benfica SAD em Junho de 2012.

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O presidente do SL Benfica, Luis Filipe Vieira, e Paulo Goncalves em 2015 JOSE COELHO/LUSA

Na transferência internacional de Luquinhas para o Legia Varsóvia Paulo Gonçalves foi o intermediário do jogador e não do clube polaco, como garante o advogado na edição desta segunda-feira do jornal A Bola. No acordo entre os clubes está expresso que os dois emblemas envolvidos no negócio prescindiram de intermediário, ao contrário do futebolista, que surge representado pela empresa de agenciamento Profute, fundada em 2019 pelo ex-conselheiro jurídico da SAD “encarnada”.

No contrato de transferência internacional, onde é referida a dívida do Desportivo das Aves com o Benfica, para justificar a negociação com os lisboetas, não constam igualmente cláusulas semelhantes às que foram acordadas entre os dois clubes portugueses.

Num comunicado emitido esta segunda-feira, o Benfica insurgiu-se contra a investigação do PÚBLICO sobre acordos sigilosos entre o clube da águia e os avenses para a contratação de jogadores. No documento, qualificou algumas das cláusulas que levantaram muitas dúvidas quanto à sua legalidade como normais e “prática generalizada quer a nível nacional, quer a nível internacional”.

A administração da Benfica SAD garante que as mesmas são “aceites e reconhecidas pelas jurisdições internacionais”. Refere-se em particular às cláusulas anti-rivais, que no contrato de Luquinhas, a serem accionadas, teriam graves implicações financeiras para o clube nortenho. Se o jogador viesse a ser negociado com FC Porto ou Sporting, o Desp. Aves teria de pagar, para além do valor correspondente aos 50% do Benfica, mais cinco milhões de euros.

Uma cláusula que especialistas em direito de trabalho desportivo contactados pelo PÚBLICO consideraram nulas ou ilegais, sem prejuízo de se escudarem no sacramental “salvo melhor opinião”. De acordo com os mesmos, este tipo de cláusulas é proibido pela lei portuguesa, já que limita a liberdade profissional do atleta quando o contrato termina.

Por outro lado, esta cláusula coloca também algumas reservas ao nível da regulação da FIFA, podendo ferir o espírito da lei que proibiu a Third-Party Ownership (TPO, na sigla em inglês). A ideia foi impedir entidades terceiras, estranhas ao futebol, de deterem percentagens dos passes de jogadores e influenciarem as suas carreiras.

Nenhum dos especialistas a quem foi solicitada opinião ou parecer nesta investigação – que teve a sua primeira parte publicada em Agosto de 2019 –, nas mais variadas valências quis ser nomeado. Todos, sem excepção, pediram anonimato, sempre que era referida a entidade Benfica SAD.

Legia sem “anti-rivais”

A Benfica SAD também não explica porque optou por não impor esta cláusula anti-rivais no contrato de transferência internacional com o Legia Varsóvia. Nem outras que suscitaram dúvidas no contrato nacional: o direito de preferência ou recompra por 100 mil euros ou a obrigação do jogador estabelecer um novo vínculo com os “encarnados”.

No contrato em que os “encarnados” cediam 50% dos direitos económicos de Luquinhas ao Desp. Aves, as partes comprometiam-se a que os direitos desportivos (ou federativos) e económicos do jogador pudessem ser readquiridos, até 31 de Maio de 2021, “pelo valor de 100 mil euros”.

Ficava assim Luquinhas obrigado a “celebrar um contrato de trabalho desportivo com a SAD do Benfica, válido por quatro épocas desportivas, com início na data de exercício do direito [de recompra]”. Um contrato considerado lesivo e injusto para o jogador.

Se o Benfica decidisse readquirir o seu passe, o jogador iria auferir uma remuneração anual “igual àquela” que seria paga pelo Desp. Aves: 36 mil euros por temporada. O desrespeito desta cláusula implicaria uma indemnização de cinco milhões de euros por parte do incumpridor. O jogador ficava assim refém da vontade do Benfica para além do termo do seu contrato.

Uma cláusula que é interpretada como um contrato promessa para o atleta, mas que é unilateral, já que é apenas o jogador que se compromete a celebrar contrato com o anterior clube, não assumindo o Benfica este compromisso.

Foram apontadas ao PÚBLICO violações ao regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo (Lei 54/2017, publicada a 14 de Julho de 2017). No seu artigo 19.º, referente à “liberdade de trabalho”, os legisladores consideram “nulas” as cláusulas inseridas num contrato de trabalho desportivo “visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual”.

Existirá também uma violação do artigo 8.º, relativo à “promessa de contrato de trabalho desportivo”, que considera “válida” apenas a promessa bilateral de contrato de trabalho.

Paulo Gonçalves e o Legia

Já Paulo Gonçalves, que foi o intermediário de Luquinhas na operação com o Legia, garantiu esta segunda-feira ao jornal A Bola que não agenciou o jogador, mas sim o clube polaco.

“Não estive no negócio como representante do jogador, fui o representante do Legia Varsóvia. Eu é que apresentei aoDesp.  Aves a proposta do Legia e foi o Legia quem me pagou a comissão. Nunca falei com o Benfica. Está tudo registado no sistema FIFA TMS”, declarou.

Mas no contrato internacional que foi registado no sistema FIFA TMS, que o PÚBLICO apresenta esta segunda-feira, não consta este facto. Pelo contrário, o documento refere concretamente que o clube comprador, o Legia, e o clube vendedor, o Benfica (que manteve 50% do passe de Luquinhas), não tinham intermediário, ao contrário do futebolista.

Ao lado do nome do jogador é apresentada a Profute, Consultoria Unipessoal, Lda, como seu intermediário. Situação mais estranha pela Eurofoot BV, empresa que o agenciava desde que chegou a Portugal na temporada 2014-15, para representar o Vilafranquense, ter apresentado uma factura na SAD do Desp. Aves a solicitar o pagamento de 45 mil euros – 10% dos 450 mil euros que estão registados na transferência para o Legia. A factura tem data 12 de Julho de 2019, dez dias depois da transferência de Luquinhas para Varsóvia.

No documento, a que o PÚBLICO teve acesso, a empresa de agenciamento solicita o pagamento de 45 mil euros de comissões para uma conta na Holanda, referindo um contrato assinado com os avenses a 30 de Novembro de 2017. No acordo, a Eurofoot BV e o Aves estabelecem que a empresa sediada na Holanda será recompensada com 10% de uma futura transferência de Luquinhas.

A factura torna ainda mais inexplicável a presença da Profute no negócio com o Legia, onde a Eurofoot, representante legítima do futebolista, não marca presença. Mas reivindica uma compensação por “serviços de prospecção com vista à contratação do jogador profissional Lucas Lima Linhares”.

Secretário em 2012

No seu comunicado, a Benfica SAD garante ainda que Paulo Gonçalves deixou de ser “secretário da sociedade” desde 31 de Julho de 2009, ao contrário do que, “de forma falsa”, terá insinuado a notícia do PÚBLICO, que dava conta que o ex-assessor, principal acusado no âmbito do processo E-Toupeira, ainda hoje se mantinha neste cargo em termos de registo.

Mas é a própria Benfica SAD que assume que Paulo Leite Gonçalves era “secretário da sociedade” ainda em 2012, num prospecto para “admissão à negociação ao Euronext Lisbon, com a data de 6 de Junho.

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