Uma manifestação pela esperança

São os mais jovens que estão na frente desta aparente nova vaga de empenho cívico. Se as suas bandeiras já não são exactamente as mesmas que os seus pais ou avós empenharam nas lutas por direitos cívicos ou políticos de outros tempos, no essencial as ideias que os movem não mudaram assim tanto

Muitos milhares de pessoas, talvez até muitas centenas de milhares de pessoas, saíram neste sábado às ruas das cidades de todo o mundo numa manifestação de protesto contra o racismo. É possível justificar tanta adesão em tantos lugares a um movimento de indignação pelo assassínio brutal de George Floyd como uma resposta emocional associada à necessidade de as pessoas se libertarem das agruras do confinamento. Como é obrigatório sublinhar que a enorme e surpreendente mobilização das pessoas é um grave risco para a saúde pública - mesmo que o uso de máscaras tenha sido generalizado, os riscos de contágio da covid-19 são imensos.

Mas, deixemos o debate sobre se a manifestação devia ou não ser autorizada (vamos ter de o fazer nos próximos dias) para reconhecer que este sábado aconteceu algo de muito importante: a vontade das pessoas em participar numa causa humanista e esperançosa baseada na ideia que o racismo não passará.

A história das democracias liberais do Ocidente ou o apego das suas sociedades aos Direitos Humanos nunca dispensou a mobilização das pessoas nem tolerou a indiferença. A maior riqueza dos nossos regimes resulta em grande medida desse apelo à intervenção e dessa liberdade que nos permite contestar as afrontas ao nosso sistema de valores.

Nos últimos anos, porém, quando os discursos baseados no preconceito populista ou nos ataques ao humanismo e ao personalismo que são a cola da nossa vida colectiva aumentavam de tom, o alheamento dos cidadãos foi deprimente. Alguma coisa de muito positivo parece estar agora a acontecer. Primeiro com as causas pelo ambiente e, agora, no protesto contra o racismo, esse nervo fundamental das democracias está a fazer prova de vida.

Mas, ainda mais importante, são os mais jovens que estão na frente desta aparente nova vaga de empenho cívico. Se as suas bandeiras já não são exactamente as mesmas das que os seus pais ou avós empenharam nas lutas por direitos cívicos ou políticos de outros tempos, no essencial as ideias que os movem não mudaram assim tanto.

As manifestações deste sábado fizeram-se exactamente a favor de causas como a justiça, a tolerância ou a obediência a princípios e direitos que é indispensável preservar nestes tempos tão incertos. É bom que a apologia populista do supremacismo racial, a política intolerante e divisiva de Trump, de Bolsonaro ou dos seus aprendizes da extrema-direita em Portugal ou na Espanha sejam contestadas nas ruas. Porque a democracia liberal e os Direitos Humanos essenciais continuam ameaçados como nunca estiveram nas últimas décadas.

O que se viu por estes dias é, porém, um sinal de que, colectivamente, ainda restam nas nossas sociedades a militância cívica, a coragem e a energia para lutar pela sua defesa.

Sugerir correcção